segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Sobre a utilização da "câmara lúcida", 
ou lentes de projeção para a execução da pintura

A princípio, achei a "câmara lúcida" muito difícil de usar.
Ela não projetava uma imagem real do tema, 
e sim uma ilusão de imagem na vista. 
Quando se move a cabeça, tudo se move com ela, 
e o artista tem de aprender a fazer notações bem rápidas
para fixar a posição dos olhos, nariz e boca,
a fim de captar a "semelhança". É um trabalho 
de concentração. Perseverei e continuei a usar o método
pelo restante do ano - aprendendo sempre. 
Comecei a tomar mais cuidado com a iluminação do tema,
notando como uma luz faz uma diferença e tanto quando
se usa a óptica, tal como na fotografia. Vi também quanto
cuidado haviam tomado outros artistas - Caravaggio
e Velázquez, por exemplo - em iluminar seus temas, e como
eram profundas suas sombras. A óptica precisa de viva iluminação, e viva iluminação cria sombras profundas.
Fiquei intrigado e comecei a examinar as pinturas
muito cuidadosamente. 
Tal como a maioria dos pintores, imagino, quando observo
pinturas estou tão interessado em "como" foram pintadas
quanto em "o que" dizem ou "por que" foram pintadas
(essas questões , é claro, são relacionadas). Tendo eu próprio pelejado para usar a óptica, descobri que estava
agora observando as pinturas de um novo modo.
Era capaz de identificar características ópticas e,
para surpresa minha, podia vê-las na obra de outros
artistas - e a coisa remontava aos anos 1430, 
ao que parecía! Creio que foi somente no fim do século XX
que isso se tornou evidente. Foi necessária a tecnologia
nova, sobretudo o computador, para vê-lo. 
Os computadores deram lugar a impressões coloridas mais baratas e de melhor qualidade, conduzindo a uma grande melhora nos últimos 15 anos no padrão dos livros de arte
(mesmo 20 anos atrás, a maioria ainda era 
em preto-e-branco). E agora com fotocopiadoras coloridas
e impressoras pessoais qualquer um pode ter acesso
a reproduções baratas mas de boa qualidade em casa,
e assim pôr lado a lado obras que estavam antes separadas
por imensas distâncias. Foi isso o que fiz em meu estúdio
e o que me permitiu ver a coisa em toda a sua amplitude.
Somente ao reunir desse modo as imagens que comecei
a notar coisas; e tenho certeza de que essas coisas
só poderiam ser vistas por um artista, um fazedor 
de marcas, que não está tão afastado da prática, 
ou da ciência, quanto um historiador da arte. Afinal, estou
dizendo apenas que os artistas sabiam em outro tempo
usar uma ferramenta, e que esse conhecimento se perdeu.

David Hockney      

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