sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O CONHECIMENTO SECRETO - JOHANNES VERMEER - "A Leiteira" - óleo - 1657-58


Hoje se aceita em geral que Vermeer,
trabalhando cerca de 50 anos depois de Caravaggio,
não só tinha conhecimento de instrumentos ópticos
como também os utilizava de algum modo em sua pintura.
Van Leeuwenhoek, o grande micorscopista e fabricante
de lentes, foi seu vizinho e testamenteiro. Grande parte
das provas está no interior das próprias pinturas.
Vermeer parece encantado com os efeitos ópticos da lente
e tentou recriá-los na tela. Objetos e pessoas  em primeiro plano são por vezes muito grandes; outras coisas são
pintadas em foco suave, ou totalmente fora de foco.
Nesta pintura de uma leiteira, por exemplo, a cesta
em primeiro plano está fora de foco comparada à cesta
pendurada ao fundo, uma distorção que Vermeer 
não teria visto a olho nu. Nem poderia ter reproduzido
o efeito de "halo" dos realces fora-de-foco, vistos aqui
na cesta, no pão, no canecão e no jarro, a menos
que o tivesse visto! Assim, este era o ponto de partida:
Vermeer foi um artista que usou a óptica - suas pinturas
são demonstração disso.
Gostaria de advertir aquí que essa é a figura mais sólida
de Vermeer. 
Ela tem uma presença maior que as senhoras do próprio Vermeer.
Teria sido por ser ela uma criada (um tema das chamadas
"clases menos favorecidas", de tantos pintores ópticos
da primeira leva), e assim não estar em condições
de queixar-se: "Ah, estou com dor de cabeça. Preciso
me deitar", como as "senhoras" teriam sido capazes
de fazer

David Hokney

O CONHECIMENTO SECRETO 4 - JOHANNES VERMEER - "A Leiteira" - detalhe


O CONHECIMENTO SECRETO 4 - JOHANNES VERMEER - "A Leiteira" - detalhe"


O CONHECIMENTO SECRETO 4 - CARAVAGGIO - "O Alaudista" - óleo


Caravaggio pintou seu alaudista 70 anos depois
da xilogravura de Dürer "Máquina de desenhar",
de 1525, e, é claro, a tecnologia das máquinas de desenho 
tal vez tivesse avançado naquela altura. 
Más já não seriam tais máquinas antiquadas em 1525?
Não estaría Dürer reproduzindo um método antigo
e agora obsoleto de desenhar elipses e curvas 
em prespectiva? Os Embaixadores (embaixo) de Hans
Holbein foi pintado em 1533, somente oito anos depois
da gravura de Dürer. Está repleto de objetos curvos
e esféricos, os quais teriam sido difíceis de fazer a olho,
e no entanto todos eles são maravilhosamente "precisos"
em seu escorço. Holbein poderia ter usado a máquina
de Dürer  para pintar o alaúde na estante de baixo,
mostrado em escorço bem mais simples 
que o de Caravaggio, e de um ângulo análogo 
ao da gravura de Dürer, mas observe os demais objetos 
curvos. O globo celeste na estante de cima, por exemplo,
é perfeito em sua representação. Os motivos de cortina
ao fundo e de toalha são profundamente dignos de crédito
ao acompanharem as dobras. Os riscos de longitude
e latitude no globo terrestre traçam a curvatura da esfera
precisamente, tal como a palavra "AFFRICA". E a partitura
musical é reproduzida com exatidão nas páginas abauladas
do livro aberto. Já isso teria sido quase impossível de pintar
usando a máquina de Dürer. Teria sido possível, contudo, 
usar uma lente para projetar a imagem do livro e dos outros
objetos tridimensionais numa superfície plana e decalcar
os formatos projetados, agora bidimensionais.
A estranha forma em primeiro plano é um crânio distorcido
- Holbein o distendeu. Tal distorção pode ser lograda
inclinando a superfície sobre a qual se projeta uma imagem.
Produzi o detalhe do crânio comprimindo-o de volta a seu formato num computador. Ele parece bem "real". Não será
isso uma pista de que Holbein utilizou ferramentas ópticas?

David Hokney        

O CONHECIMENTO SECRETO 4 - HANS HOLBEIN - "Os Embaixadores" - óleo - 1533


O CONHECIMENTO SECRETO 4 - HANS HOLBEIN - "Os Embaixadores" - detalhe


O CONHECIMENTO SECRETO 4 - HANS HOLBEIN - "Os Embaixadores" - detalhe


O CONHECIMENTO SECRETO 4 - LEONARDO DA VINCI - "A Gioconda" - óleo - 1503-1519 - (detalhe)


O CONHECIMENTO SECRETO - 4

Embaixo estão dois quadros de Dürer, que há 50 anos
se acham juntos na biografia do artista. Embora pintados
com cerca de apenas um ano de intervalo, parecem
bem diferentes. O sólido estilo linear de "Uma moca
milanesa" (1505), abrandou-se no "Retrato de uma jovem"
(1506-7), dominado por efeitos de chiaroscuro, de luz
e sombra. Comparada com a imagem anterior, essa jovem
parece "fotográfica". Algo causou a mudança, Dürer era
muito interessado em tecnologia, sobretudo a de fabricar
imagens, como demonstra mais adiante, sua xilogravura
de uma máquina de desenho. Acredito que ele tenha
trabalhado com a óptica entre o verão de 1505 e o início
de 1507, quando esteve em Veneza. Tal vez tenha sido
introduzido ao método por Giovanni Bellini, que, segundo
um relato contemporâneo, disfaçou-se de nobre a fim
de pousar para Antonello de Messina e assim aprender
seus segredos, e que patrocinou Dürer em sua estada
em Veneza (Antonello, como vimos, introduziu as técnicas holandesas na Itália). Dürer escreveu ao seu amigo
Pikheimer que estava a caminho de Bolonha "para aprender
os segredos da perspectiva". Alguns historiadores acreditam
que ele foi visitar Luca Pacioli, companheiro próximo
de Leonardo. Dürer não escreveu quais eram esses segredos - tal vez tenha jurado segredo.

David Hokney