terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O poema ilustrado surge como prática habitual no meu desenho a partir de 1962, quando faço uma viagem aos pampas, na Argentina. Tinha 19 anos e recebia  a influência dos mestres do realismo social, todos eles desenhistas virtuosos e também ilustradores literários e de poetas. Foi nessa viagem, na cidade de Santa Rosa, capital da Província de La Pampa, que conheci três poetas que mudaram o meu rumo, foram Ricardo Nervi, Edgar Morisoli e Juan Carlos “el indio” Bustriazo Ortiz. Eu provinha do âmbito urbano,  e a poesia rural praticada por eles, de intenso lirismo na evocação da paisagem  desértica e das agruras da sua gente, em constante êxodo por causa das secas, determinaram meu trabalho desse período.  Juan Ricardo Nervi, era proveniente da cidade de Castex, colônia agrícola formada por imigrantes italianos.  Com ele a visitamos, e essa visita motivou uma série de desenhos em parceria com Nervi que compuseram a minha primeira exposição em Buenos Aires em 1964, que levou por título “Poemas em blanco y negro – Jornadas de La Pampa seca”. Em 1968 viajo ao Brasil, e pouco a pouco vou descobrindo a língua portuguesa na poesia musicada da MPB, que me abre as portas para os poetas brasileiros. Muitas das ilustrações sobre música que fiz nesse período,  assim como os retratos dos compositores, estavam intimamente ligadas a essa poesia.  A poesia saia do livro e ia para a rua, assim como para mim, na ilustração o desenho saia da galeria e ia para as bancas de jornais e revistas. Em 1980 aconteceram dois fatos importantes para o meu trabalho: a encomenda pelo Teatro dos 4, da produção visual da peça “Rei Lear” de William Shakespeare, e as ilustrações de “A Paixão Medida” de Carlos Drummond de Andrade, pela editora José Olimpio. Nos anos seguintes ilustrei o peruano César Vallejo, o uruguaio Mario Benedetti e a série “Radial X” sobre poemas de Leonardo Fróes. A série “Diário”, exposta na UERJ e na ABL em 2007, foi uma extensa série de desenhos que abordava a temática da memória, e a realidade política que viveram nossos países na década de 70. Quando o conjunto ficou pronto, pontos de contato me fizeram acrescentar  5 poemas de Juan Gelman. Nessa exposição “Poemas Ilustrados”, estou mostrando, junto ao meu desenho, a poesia de Alexei Bueno, Marcus Mello, Frederico Gomes, a argentina Marta Kelly e os clássicos, Machado de Assis e Afonso Lima Barreto. Nesses tempos de negação do sentimento, em que a arte ficou reduzida a um monte de pedras, redesenhar a palavra, não será em vão.

Luis Trimano - Rio de Janeiro 2012
   

TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL 2012


TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL 2012


TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL 2012


TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL 2012


TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL 2012


TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL 2012


TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL 2012


TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL 2012


TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL 2012


TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL 2012


TRIMANO - Exposição: O Poema Ilustrado - ABL - 2012


EXPOSIÇÃO: O POEMA ILUSTRADO
MARCUS MELLO
Rio de Janeiro
"O FILHO DO MATADOR DE BOI"
Inédito

TRIMANO - Marcus Mello - "O filho do matador de boi" - Ilustração para o poema "Perseu das Almas" - hidrográfica e esferográfica


TRIMANO - Marcus Mello - Ilustração para o poema "O Filho do Matador de Boi" - hidrográfica e esferográfica


TRIMANO - Marcus Mello - "O filho do matador de boi" - Ilustração para o poema "A Trilha Sonora do Fim do Mundo" - hidrográfica e esferográfica


A TRILHA SONORA DO FIM DO MUNDO

O medo canta junto aos pássaros
E no quintal as lavadeiras choram
Num gemido único
Vai confundindo orquestrado quem ouve a melodia,
Trilha sonora do fim do mundo,
Mundo sem sabão:
Imundo mundo medonho.

No canteiro de algonquiana coragem
Alguns soldados penados resistem,
Entrincheirando a ré das novas mistificações
Onde pássaros são bichos de guerra lenta
Em mar tranquilo de trissos e canções:
- Armamentos sacrários despertando anjos distraídos
que desentendem a marcha do dia em oratórios explosivos.

Contamos o número de nichos destruídos
E tocas desarmadas pela relva fluorescente:
- Isso que desdenha em nós nossa emoção
Pendura-se por um fio encravado  em todas as estruturas
                                                                            orgânicas
e inextensíveis,
E movimenta o ar e a digestão de helmintos e anfibios,
unidos as engrenagens
Nós porém (penados ou não) flutuamos ainda distraídos
como os anjos.

Marcus Mello

TRIMANO - Marcus Mello - "O filho do matador de boi" - ilustração para o poema "A Ilustração II" - hidrográfica e esferográfica


TRIMANO - Marcus Mello - "O filho do matador de boi" - Ilustração para o poema "Rosinha da Vida" - hidrográfica e esferográfica


EXPOSIÇÃO: O POEMA ILUSTRADO
MARTA KELLY
BUENOS AIRES, ARGENTINA 1943
SÉRIE "PARTITURA"
Inédito

TRIMANO - Retrato de Marta Kelly - hidrográfica e esferográfica


TRIMANO - Série "Partitura"


TRIMANO - Série "Partitura" - hidrográfica e esferográfica


TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim


EL MANÁ

Tejen las tejedoras
la trama
los carbones permanecen 
encendidos
volcanes reverberan
ríos se secan
el mar espera
para dar
una gran bocanada
y tragar lo indigerible
lo que no fué lavado
ni resuelto.
Pertenecen los cónclaves
a la primera piedra
con grabado de muerte.
El maná fué un código
que solo vió descifrarse
el que tuvo
hambre y sed.
En el desierto.

Marta Kelly

TRIMANO - Série "Partitura" - hidrográfica e esferográfica


TRIMANO - Série "Partitura" - hidrográfica e esferofráfica


TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim


ARDE

Desataron los caballos
del miedo
y comenzó el caos:
palabra galopada

Precipitación de genes
galopando
galopándome

Fúria de antecesores
sin parpados,
anhelando la gota
perlada de identidad

Este azufre errante 
este mercurio que sangra
sucede en mi

Marta Kelly

TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim


TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim


TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim


TRIMANO - Série "Partitura" - detalhe


TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim e esferográfica


TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim


TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim - detalhe


Série "Partitura"

SIN OPCIÓN

Que sea lápida 
esta piedra
de condensaciones
de humores
esta mazmorra
del dolor

Me habrán sacado 
el corazón alguna vez?
con un cuchillo de piedra
en un altar de piedra
en nombre de la prosperidad
de un pueblo
subiendo escalón por escalón
sin opción en la mañana 
de sol

Sabe que al fin
va a quedar
solo
una emanación
de lo Real

Marta Kelly

TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim


TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim


TRIMANO - Série "Partitura" - nanquim


EXPOSIÇÃO: O POEMA ILUSTRADO
FREDERICO GOMES
"OUTONO & INFERNO"
Editora TOPBOOKS
2012

TRIMANO - Frederico Gomes - "Outono & Inferno" - Retrato de Walt Whitman - Ilustração para o poema "1892-2002" - hidrográfica e esferográfica


1892-2002

Voz rumor dos rios
Voz quase-silêncio das planícies
Voz cantoria dos melros
Voz antivoz das estradas do Oeste
Voz roufenha do vento nas montanhas
Voz dos negros dos índios dos imigrantes
Voz dos becos das docas dos bares
Voz ruído das máquinas
Voz incessante dos mares
Voz dos animais das crianças das mulheres
Voz burburinho da Broadway
Voz de vozes múltiplas de Manhattan
Voz das vozes de toda a América
Vos das vozes das vozes de todos os lugares
whitmannianamente recolhidas em uma única voz:
Walt Whitman - o que eu queria dizer-te
é que relendo as folhas da relva
encontrei perdidas entre as páginas
duas pálidas pétalas de rosa
que ali deixara um moço (uma moça?)
em respeitosa homenagem
mais de um século após a tua morte
e que me pareceram o veludo da pele de tua face
sob a espessa barba - motivo óbvio,
                                                       ó grande urso.
porque ninguém jamais a tocara...
Whitman - o que eu queria dizer-te
é que as acariciei como se fossem tua face
(agora sem a barba) de criança de fêmea de macho

Frederico Gomes

TRIMANO - Frederico Gomes - "Outono & Inferno" - Ilustração para o poema "Quase Sonetos" - nanquim


TRIMANO - Frederico Gomes - "Outono & Inferno" - Ilustração para o poema Villon - nanquim


VILLON

Preferes da puta o sexo-torpeza
ao requinte do sexo turmalina da burguesa.

Ao Deus sério sobrepujas com deuses estorninhos
como sobrepuja-se à mesa a alegria dos vinhos.

Preteres o convívio de mandachuvas iracundos
pela amizade fraternal de boêmios e vababundos

Vês no tumulto do inferno lugar mais real
do que o fastio de um paraíso de anjos sem sal

Cantas do humano a podridão da morte
para melhor abrandar da vida o inexorável Norte

Preferes a sordidez da casa do hipócrita
à casa da hipocrisia do sórdido, inóspita

- O eterno! Diz um de modo vibrante.
Repeles com tédio e orgulho simultâneos:
                                                             - O instante

Ao culpado, crente ou teórico ofereces
o reino de risos e pássaros de tuas
                                                   antipreces...

Frederico Gomes

EXPOSIÇÃO: O POEMA ILUSTRADO
LUCIANA BRANDÃO CARREIRA
"ENTRE"
Editora VERVE
2014 


TRIMANO - Luciana Brandão Carreira - "Entre" - Retrato de Fernando Pessoa - Ilustração para texto manifesto do NOP - Nova Ordem de Poesia - Belém PA 2009 - hidrográfica e esferográfica


TRIMANO - Luciana Brandão Carreira - "Entre" - Ilustração para o poema "Palavras" - hidrográfica e esferográfica


PALAVRAS

Palavra - pirilampo:
Piscante
Pulsante 
Palpitante
Pululante

Palavra - pássaro:
Planadora
Portadora
Passageira
Peregrina

Palavra - poço:
Pulcro
Pústula
Punção
Portal

Palavra - pétala:
Pistão
Película
Pintura
Poesia pairada para poucos.

Palavra - pólvora:
Projétil
Potência
Partição
Perfuração

Palavra - pérola:
Pontual
Precisa
Pura
Perfeição

Palavra - pergaminho:
Pedra
Ponte
Passarela
Periférica

Palavra - pensamento:
Principal
Profusão
Para Possíveis
Poemas

Luciana Brandão Carreira

TRIMANO - Luciana Brandão Carreira - "Entre" - Ilustração para o poema "Fio D'água" - nanquim


EXPOSIÇÃO: O POEMA ILUSTRADO
ALEXEI BUENO
RIO DE JANEIRO 1963
SÉRIE "LAPA"
2012
Inédito

TRIMANO - Alexei Bueno - Série "Lapa" - Ilustração para o poema "Noturno" - hidrográfica e esferográfica - Estudo sobre escultura de Auguste Rodin


NOTURNO

Sobre os seus saltos, sob a lua cheia,
Os travestis desfilam como garças,
Farsa carnal em meio às outras farsas
Que o mundo absurdo no aéreo chão semeia.

São deusas-mães usando liga e meia,
De ancas imensas, madeixas esparsas,
De enormes seios, piscando aos comparsas,
Buscando otários para a escusa teia.

São Vênus neolíticas chamando
Sombras confusas, entre os cães sem casa
E os negros ébrios. Seu barroco bando

Volveu, pulsante, dos tetos das grutas,
E anda na névoa, como numa vasa,
Rotundas popas balouçando enxutas.

Alexei Bueno

TRIMANO - Alexei Bueno - Série "Lapa" - Ilustração para o poema "Lapa" - hidrográfica e esferográfica


TRIMANO - Alexei Bueno - Série "Lapa" - Ilustração para o poema "Lázaro" - hidrográfica e esferográfica


LÁZARO

Cobrimos o mendigo que dormia
Com jornais, os jornais do extinto dia.

De fora só ficaram os sapatos
Cambaios, já roídos pelos ratos.

Acendemos então, junto, uma vela
E arengamos na luz branca e amarela.

Um círculo de povo já envolvia
Nosso pranto, e o pinguço nem tremia.

Volveu por fim do reino dos defuntos.
Debandada! E ele riu. Riamos juntos.

Alexei Bueno

TRIMANO - Alexei Bueno - Série "Lapa" - Ilustração para o poema "I. M. L." - nanquim


EXPOSIÇÃO: O POEMA ILUSTRADO
AFONSO LIMA BARRETO
"DIÁRIO ÍNTIMO"
Editora EdiUSP - no prelo
2009 - 2010

TRIMANO - Retrato de Lima Barreto - nanquim