O propósito deste blog é o de mostrar o trabalho do ilustrador,independente das regras impostas pelo mercado,nas quatro disciplinas praticadas por mim, em diferentes momentos e veículos: A Caricatura na Imprensa,A Ilustração na Imprensa,A Ilustração Editorial e O Poema Ilustrado. Também são mostradas modalidades diferentes das mesmas propostas como: Montagens das exposições e a revalorização do painel mural, através das técnicas de reprodução digital em baner.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Sabem que o Tempo é, desde que nasceu, um velho
de barbas brancas. Os poetas não lhe dão outro nome:
o velho Tempo. Ninguem o pintou de outra maneira.
E como há quem tome liberdades com os velhos, uns
batem-lhe na barriga (são os patuscos), outros chegam a desafiá-lo;
outros lutam com ele, mas o diabo vence-os a todos; é de regra.
Entretanto, uma coisa é barba, outra o coração. As barbas podem
ser velhas e os corações novos; e vice-versa: há corações velhos
com barbas recentes. Não é regra, mas dá-se. Deu-se com o Tempo.
Um dia o Tempo viu uma menina de quinze anos,
bela como a tarde, risonha como a manhã, sossegada
como a noite, um composto de graças raras e finas,
e sentiu que alguma coisa lhe batia do lado esquerdo.
Olhou para ela e as pancadas cresceram. Os olhos da
menina, verdadeiros fogos, faziam arder os dele só com fitá-los.
- Que é isto? murmurou o velho.
E os beiços do Tempo entraram a tremer e o sangue
andava mais depressa, como cavalo chicoteado,
e todo ele era outro. Sentiu que era amor; mas olhou
para o oceano, vasto espelho, e achouse velho. Amaria
aquela menina a um varão tão idoso? Deixou o mar, deixou a bela,
e foi pensar na batalha de Salamina. As batalhas velhas eram para ele
como para nós os velhos sapatos. Que le importava Salamina?
Repetiu-a de memória, e por desgraça dele, viu a mesma donzela
entre os combatentes, ao lado de Temístocles. Dias depois
trepou a um píncaro, o Chimborazo; desceu ao deserto de Sinai;
morou no sol, morou na lua; em toda parte lhe aparecia a figura
da bela menina de quinze anos. Afinal ousou ir ter com ela.
- Como te chamas, linda criatura?
- Esperança é o meu nome.
-Queres amar-me?
- Tu estás carregado de anos, respondeu ela;
eu estou na flor deles. O casamento é impossível.
Como te chamas?
- Não te importe o meu nome; basta saber que te posso
dar todas as pérolas de Golconda...
- Adeus!
- Os diamantes de Ofir...
- Adeus!
- As rosas de Saarão...
- Adeus! adeus!
- As vinhas de Engaddi...
- Adeus! adeus! adeus! Tudo isso há de ser meu
um dia; um dia breve ou longe, um dia...
Esperança fugiu. O Tempo ficou olhando, calado,
até que a perdeu de todo. Abrui a boca para amaldiçoá-la,
mas as palavras que lhe saíam eram todas de bênção;
quis cuspir no lugar em que a donzela pousara os pés, mas não
pôde impedir-se de beijá-lo. Foi por esa ocasião que lhe acudiu
a idéia do almanaque. Não se usavam almanaques. Vivia-se
sem eles; negociava-se, adoecia-se, morria-se, sem se consultar
tais livros. Conhecia-se a marcha do sol e da lua; contavan-se
os meses e os anos, era, ao cabo, a mesma coisa; mas não
ficava escrito, não se numeravam anos e semanas, não se nomeavam
dias nem meses, nada; tudo ia correndo, como passarada
que não deixa vestigios no ar.
- Se eu achar um modo de trazer presente aos olhos
os dias e os meses, e o reproduzir todos os anos, para que ela veja palpavelmente ir-se-lhe a mocidade... Raciocínio de velho, mas
tudo se perdoa ao amor, ainda quando ele brota de ruínas.
O Tempo inventou o almanaque; compôs um simples livro, seco, sem margens, sem nada; tão somente os dias, as semanas, os meses e os anos.
Um dia, ao amanhecer, toda a terra viu cair do céu
uma chuva de folhetos; creram a princípio que era geada
de nova espécie, depois, vendo que não, correram todos
assustados; afinal, um mais animoso pegou de um dos folhetos,
outros fizeram a mesma coisa, leram e entenderam. O almanaque
trazia a lingua das cidades e dos campos em que caía. Assim
toda a terra possuiu, no mesmo instante, os primeiros almanaques.
Se muitos povos não têm ainda hoje, se outros morreram sem os ler, é porque vieram depois dos acontecimentos que estou narrando.
Naquela ocasião o dilúvio foi universal. - Agora, sim, disse Esperança pegando no folheto que achou na horta; agora já me não engano nos dias das amigas. Irei jantar ou passar a noite com elas, marcando aqui nas folhas,
com sinais de cor os dias escolhidos.
Todas tinham almanaques. Nem só elas, mas também as matronas,
e os velhos e os rapazes, juízes, sacerdotes, comerciantes, governadores,
fâmulos; era moda trazer o almanaque na algibeira. Um poeta compôs
um poema atribuindo a invenção da obra às Estações, por ordem
de seus pais, o Sol e a Lua; um astrônomo, ao contrário, provou que
os almanaques eram destroços de um astro onde desde a origem dos séculos estavam escritas as línguas faladas na terra e provavelmente nos outros planeta. A explicação dos teólogos foi outra. Um grande físico
entendeu que os almanaques eram obra da própria terra, cuias palavras,
acumuladas no ar, formaram-se em ordem, imprimiram-se no próprio ar,
convertido em folhas de papel, graças...
Não continuou; tantas e tais eram as sentenças, que a de Esperança
foi a mais aceita do povo. - Eu creio que o almanaque é o almanaque,
dizia ela rindo. Quando chegou o fim do ano, toda a gente, que trazia
o almanaque com mil cuidados, para consultá-lo no ano seguinte,
ficou espantada de ver cair à noite outra chuva de almanaques.
Toda a terra amanheceu alastrada deles; eram os do ano novo.
Guardaram naturalmente os velhos. Ano findo, outro almanaque;
assim foram eles vindo, até que Esperança contou vinte e cinco anos,
ou, como então se dizia, vinte e cinco almanaques.
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