quinta-feira, 16 de outubro de 2014

CURSO DE ILUSTRAÇÃO EDITORIAL
RANXEROX EM NEW YORK
STEFANO TAMBURINI: roteiro
GAETANO (TANINO) LIBERATORE: ilustrações
Quadrinhos - A estética dos anos 80 

STEFANO TAMBURINI

Roma, Itália 1955-1986
Roteirista
Criou diversas revistas alternativas importantes
dos quadrinhos italianos, como Combinazioni (1974)
Cannibale (1977) e Frigidaire (1980).
Junto com o desenhista Tanino Liberatore, criou
o personagem RANXEROX, que ganhou o prêmio
Alfred Presse no Festival de Angoulême em 1983.
O personagem também foi publicado no Brasil
em 1988 pela VHD Diffusion. E em 2010, pela 
Conrad Editora.
Tamburini foi encontrado morto por overdose
em seu apartamento de Roma no mês de abril de 1986.
GAETANO (TANINO) LIBERATORE

Quadri, Itália 1953
Desenhista e quadrinista.
Começou sua carreira na revista Canibale, onde desenhava tiras. Também colaborou com a revista Frigidaire, onde publicou o personagem RANXEROX, com roteiros
de Stefano Tamburini

RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


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RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


RANXEROX


CURSO DE ILUSTRAÇÃO EDITORIAL
LIBERDADE E COMPROMISO NA ARTE
por Andrei Tarkovski

VINCENT VAN GOGH - "A Sesta" - óleo


O contato entre o diretor de cinema e o público
é exclusivo do cinema, no sentido de que comunica
uma experiência impressa na película através de formas
intransigentemente afetivas, e, por isso, convincentes.
O espectador sente necessidade destas experiências
substitutivas como compensação por aquilo que ele
mesmo perdeu ou que lhe faltou; vai em seu encalço
numa espécie de "busca do tempo perdido". E, em que
medida essa experiência recém-adquirida será humana,
depende apenas do autor. O que é uma responsabilidade
enorme!
Por isso, acho difícil entender quando os artistas falam
de liberdade absoluta de criação. Não entendo o que
querem dizer com tal espécie de liberdade, pois parece-me
que, se optamos pelo trabalho artístico, encontramo-nos
acorrentados pela necessidade, presos às tarefas que nós
mesmos nos impomos e à nossa vocação artística.
Quanto mais tempo vivo no Ocidente, mais a liberdade 
me parece curiosa e equívoca. Liberdade para tomar drogas? Para assassinar? Para cometer suicídio? 
Para ser livre, é preciso apenas sê-lo, sem pedir a permisão
de ninguém. É preciso que se tenha os próprios postulados
sobre aquilo que se é chamado a fazer, e guiar-se por eles,
sem dobrar-se as circunstâncias ou ser cúmplice delas.
Porém, essa espécie de liberdade requer um elevado grau
de autoconciência, conciência da responsabilidade para
consigo próprio e, portanto, para com os outros.
Mas, ai de nós, a tragédia é que não sabemos ser livres
- pedimos liberdade para nós mesmos em detrimento
dos outros, e não queremos renunciar a nada de nós mesmos em prol do outro: isso seria usurpar nossos direitos
e liberdades pessoais. 
Hoje, todos nós estamos contaminados por um egoismo
extraordinário, e isso não é liberdade: liberdade significa
aprender a exigir apenas de si mesmo, não da vida ou dos outros, e saber como doar: significa sacrifício em nome do amor. Não quero polemizar, ou lançar dúvidas sobre os valores e conquistas inquestionáveis que caracterizam as democracias européias. Contudo, as condições dessas democracias colocam em relevo o problema do vazio
espiritual e da solidão do homem. Parece-me que na luta
por liberdades políticas - por mais importantes que sejam - 
o homem moderno perdeu de vista aquela liberdade que
desfrutou em todas as épocas anteriores: a de ser capaz
de se sacrificar ao tempo e à sociedade em que vive.
_______________________________________________

Estou convencido de que, se um artista consegue realizar alguma coisa, isso só acontece porque é disso que os outros precisam - mesmo que não saibam naquele momento.
E assim, a vitória é sempre do público, é ele quem ganha
alguma coisa, enquanto o artista perde, e paga.

Não posso imaginar minha vida de tal forma livre que me fosse dado fazer qualquer coisa que eu quisesse; tenho
de fazer o que parece mais importante e necessário nas
condições dadas. 
Além do mais, a comunicação com o público só é possível
se ignorarmos os oitenta por cento de pessoas que, por
algum motivo, acham que a nossa função é diverti-las.
Ao mesmo tempo, deixamos a tal ponto de respeitar esses
oitenta por cento que estamos preparados para oferecer-lhes
diversão, pois dependemos deles para nossa subsistência
e nosso próximo filme. Que sinistra perspectiva!
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Entretanto, para voltarmos àquele público minoritário
que ainda busca impressões verdadeiramente estéticas,
aquele público ideal em quem, inconscientemente, o artista
deposita suas esperanças - esse tipo de espectador só irá
responder com sinceridade a um filme quando este expressar aquilo que o autor viveu e sofreu. Respeito-os
para querer ou, de fato, para ser capaz de enganá-los, e é
por isso que me atrevo a falar do que é mais importante
e precioso para mim.
Van Gogh - que declarava que "o dever é algo de absoluto",
para quem "nenhum sucesso me agradaria mais do que ver minhas litografias dependuradas nas salas e oficinas de 
simples operários", e que se sentia identificado com a frase
de Heerkomer "a arte, em todos os sentidos, é feita para você, o povo", nunca teria pensado em tentar agradar
a uma pessoa em particular, nem a levá-la a gostar dele.
Ele encarava seu trabalho com muita seriedade, com plena consciência da sua importáncia social, e, quanto à sua função como artista, via-se "lutando", com todas as suas forças e até o último alento, com o material da vida, para
exprimir aquela verdade ideal que se oculta em seu interior.
Era dessa forma que ele via seu dever para com o povo: como um fardo e um privilégio. Ele escreveu em seu diário:
"Quando um homem expressa claramente o que quer dizer,
não seria isso, estritamente falando, o suficientemente?
Quando ele é capaz de exprimir suas idéias com beleza,
não nego que seja mais agradável ouví-lo, mas isso não
acrescenta muito à beleza da verdade, que é bela em si mesma".
Uma vez que a arte é uma expressão das aspirações
e esperanças humanas, ela tem um papel tremendamente importante a desempenhar no desenvolvimento moral
da sociedade - ou, em todo caso, é isso que se espera dela;
se fracassar, isso só pode significar que há algo de errado
com a sociedade. Não se pode atribuir à arte apenas objetivos utilitários e pragmáticos. Um filme baseado em tais premissas não pode se sustentar como entidade artística,
pois o efeito do cinema - ou de qualquer outra forma de arte - sobre o observador é muito mais profundo e mais complexo
do que tais termos admitem. A arte enobrece o homem pelo
simples fato de existir. Ela cria aqueles vínculos intangíveis
que unem o gênero humano numa comunidade e aquela
atmosfera moral em que a arte irá novamente germinar
e florescer. De outro modo, ela se transformará numa planta
brava, como uma macieira em um pomar abandonado. 
Se a arte não é utilizada de acordo com sua vocação, ela morre, e isso significa que ninguém precisa dela.
A estrutura emocional de um filme está baseada na memória
do autor, quando as impressões da sua vida pessoal forem
transmutadas em imagens cinematográficas, o filme conseguirá promover aqueles que o vêem. Contudo, se uma
cena for concebida intelectualmente, segundos os dogmas da literatura, então não importa que tenha sido realizada com cuidado e de modo convincente: o espectador permanecerá frio diante dela. Na verdade, mesmo quando
surpreender algumas pessoas por ser interessante
e arrebatadora quando vista pela primeira vez, ela não terá 
a força vital e não sobreviverá ao teste do tempo.
Em outras palavras, já que não se pode utilizar a experiência
do público do modo como a literatura o faz, presupondo
a ocorrência de uma "assimilação estética" na consciência
de cada leitor - no cinema isso é realmente impossível - 
é precisso comunicar a experiência com a maior sinceridade possível. Não que isso seja fácil; é preciso esforçar-se muito
para consegui-lo! É por isso que mesmo hoje, quando todos os tipos de pessoas, muitas delas mal preparadas profissionalmente, tem a posibilidade de realizar filmes, 
o cinema ainda conta com uma pequena quantidade
de mestres em todo o mundo.

extraído do livro "Esculpir o Tempo" - Martins Fontes - SP 1990