quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Meu verso

com labor

rompe a mole dos anos,

e assoma

a olho nu,

palpável,

bruto,

como a nossos dias

chega o aqueduto

levantado

por escravos romanos.

No túmulo dos livros,

versos como ossos,

se estas estrofes de aço

acaso descobrirdes,

vos as respeitareis

como quem vê destroços

de um arsenal antigo,

mas terrível.

Ao ouvido

não diz

blandícias

minha voz;

lóbulos de donzelas

de cachos e bandós

não faço enrubescer

com lascivos rondós.

Desdobro minhas páginas

tropas em parada,

e passo em revista

o 'front" das palavras.

Estrofes atacam

chumbo-severas,

prontas para o triunfo

ou para a morte.

Poemas canhões,

rígida coorte,

apontando

as maiúsculas

abertas.

Ei-la,

a cavalaria do sarcasmo,

minha arma favorita,

alerta para a luta.

Rimas em riste,

sofrendo o entusiasmo,

eriça

suas lanças agudas

E todo 

este exército aguerrido,

vinte anos de combates,

não batido,

eu vos dôo,

proletários do planeta,

cada folha

até a última letra.

O inimigo

da colossal

clase obreira,

é também

meu inimigo

fidagal.

Anos 

de servidão e de miséria

comandavam 

nossa bandeira vermelha.

Nós abríamos Marx

volume após volume,

janelas

de nossa casa

abertas amplamente,

mas ainda sem ler

saberíamos o rumo!

onde combater,

de que lado,

em que frente.

Dialética,

nos aprendemos com Hegel.

Invadiu-nos os versos

ao fragor das batalhas,

quando,

sob o nosso projétil,

debandava o buguês

que antes nos debandara.

Que essa viúva desolada,

- glória -

se arraste

após os gênios,

merencória.

Morre,

meu verso,

como um soldado

anônimo

na lufada do assalto.

Cuspo

sobre o bronze pesadíssimo,

cuspo

sobre o mármore, viscoso.

Partilhemos a glória,

entre nós todos,

o comum monumento:

o socialismo,

forjado

na refrega

e no fogo.

Vindouros,

varejai vossos léxicos;

do Leste

brotam letras como lixo

"tuberculose"

"bloqueio"

"neretrício".

Por vós,

geração de saudáveis,

um poeta,

com a língua dos cartazes,

lambeu 

os escarros da tísis.

A cauda dos anos

faz-me agora

um monstro,

fossicoleante.

Canarada vida,

vamos,

para diante,

golpemos

pelo qüinquênio afora.

Os versos

para mim

não deram rublos,

nem mobílias

de madeiras caras.

Uma camisa

lavada e clara,

e basta,

para mim é tudo.

Ao

Comitê Central

do futuro

ofuscante,

sobre a malta

dos vates

velhacos e falsários,

apresento

em lugar

do registro partidário

todos

os cem tomos

dos meus livros militantes.

dezembro, 1929 / janeiro, 1930


(tradução: Haroldo de Campos)

TRIMANO - Série O Poema Ilustrado - Ilustração para "A Plenos Pulmões" de Vladimir Maiakovski - hidrográfica e esferográfica - (releitura de uma fotografia de Alexander Rodchenko) - 2021


 

TRIMANO - Série O Poema Ilustrado - Ilustração para "A Plenos Pulmões" de Vladimir Maiakovski - hidrográfica e esferográfica - 2021


 

TRIMANO - Série O Poema Ilustrado - Ilustração para o poema "A Plenos Pulmões" de Vladimir Maiakovski - detalhe - 2021


 

TRIMANO - Série O Poema ilustrado - Ilustração para "A Plenos Pulmões" de Vladimir Maiakovski - hidrográfica e esferográfica - (releitura de um poster político de Alexander Rodchenko, tomando como modelo a Lili Brik) - 2021


 

TRIMANO - Série O Poema ilustrado - ilustração para "A Plenos Pulmões" de Vladimir Maiakovski - detalhe - 2021


 

TRIMANO - Série O Poema Ilustrado - Ilustração para "A Plenos Pulmões" de Vladimir Maiakovski - hidrográfica e esferográfica - - (releitura de uma fotografia de Alexander Rodchenko) - 2021


 

TRIMANO - Série O Poema Ilustrado - Ilustração para "A Plenos Pulmões" de Vladimir Maiakovski - hidrográfica e esferográfica - (releitura de uma fotografia de Henri Cartier-Bresson) - 2021