segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

...Germinava nos terraços
o milho das altas serras
e nas vulcânicas sendas
iam os vasos e os deuses.
A agricultura perfumava
o reino das cozinhas
e estendia sobre os tetos
um manto de sol debulhado.

(Doce raça, filha das serras,
estirpe e torre turquesa,
fecha-me os olhos agora,
antes de irmos ao mar
de onde as dores chegam.)

Aquela selva azul era uma gruta
e no mistério de árvores e treva
o guarani cantava como
o fumo que sobe na tarde,
a água sobre as folhagens,
a chuva num dia de amor,
a tristeza junto aos ríos.

No fundo da América sem nome
estava Arauco entre as águas
vertiginosas, apartado
por todo o frio do planeta.
Olhai o grande Sul solitário.
Não se vê fumaça nas alturas.
Vêem-se apenas as nevascas
e o vendaval rechaçado
pelas ásperas araucárias.
Não procures sob o verde fechado
o canto da olaria.

Tudo é silêncio de água e vento.

Mas nas folhas espia o guerreiro.
Entre os lariços um grito.
Uns olhos de tigre em meio
às alturas da neve.

Olha as lanças a descansar.
Escuta o sussuro do ar
atravessado pelas flechas.
Olha os peitos e as pernas
e as cabeleiras sombrias
brilhando a luz da lua.

Olha o vazio dos guerreiros.

Não há ninguém. Trina a diuca
feito água na noite pura.

Cruza o condor o seu vôo negro.

Não há ninguém. Escuta. Escuta a árvore,
escuta a árvore araucana

Não há ninguém. Olha as pedras.

Olha as pedras de Arauco.

Não há ninguém, somente as árvores.

Somente as pedras, Arauco.

Pablo Neruda - Canto Geral

tradução: Paulo Méndes Campos


Nenhum comentário: