sábado, 10 de março de 2012

Lhe escrevo de Ketu, que agora é um pouco a minha cidade natal.
Há um mês, me tornei fatumbi (Ifá me trouxe de novo ao mundo).
Bem, sou obrigado a ser discreto sobre mais assunto.
Devo ou não dizer? (...)
Ketu é muito interessante, tal vez porque é muito isolada,
durante quatro meses somente consegue comunicação
com o resto do Daomé, nos outros oito meses, a região fica cortada
pela subida das águas de Orineme e os pántanos do Holli,
onde alguns kilómetros de estrada pelas suas condições não permitem
a passagem senão na estação seca.
Vivo em pleno vilarejo, saudado pelo título de babalaó,
do qual carrego no pulso esquerdo o bracelete de pérolas,
que me foi amarrado por meu oluwo; e o exibo tão orgulhosamente
quanto uma recente condecoração do "mérito agrícola".
A aldeia tem um aspecto um pouco abandonado, com casas em ruínas
e tetos caídos, os carneiros e cabras pastam por toda a parte e, à noite,
parecem tornar-se mais enraivecidos. Atormentados pelas centenas
de orixás aos quais eles serão sacrificados.
Eles se precipitam, berrando como furiosos pelas ruas.
Este aspecto da aldeia em ruínas é enganador, raramente vi aldeias
tão vivas. Quando a noite cai, as pessoas se juntam perto de uma pequena
feira noturna - muito animada, iluminada por centenas de pequenas
luminárias trêmulas dos vendedores agachados atrás de sua mercadoria.
Um verdadeiro balé de saudações, reverências, flexões dos joelhos,
inclinações de cabeça - muito variados - com desfile de panos coloridos
adornados à moda antiga. Todas as noites acontece uma festa
em algum lugar, na aldeia ou em uma fazenda dos arredores...
carta de Pierre Verger a Roger Bastide. Ketu - 16 de abril de 1953

Nenhum comentário: