sábado, 10 de março de 2012

É num caminhão que eu "embarco" para a Bahia.
Sua carta me chega em bom momento e tonifica ainda
o estado de entusiasmo e euforia em que me encontro.
Estou no maravilhoso momento que é para mim o da partida.
Experimento um sentimento que é o da libertação.
Em contraste com muitos dias de spleen provocados pela
dificuldade que tenho em me separar das coisas.
Cinco meses foram suficientes para criar ligações.
Minha estada aquí foi muito feliz.
Para voltar ao Recife eu pude, fora do meio dos cultos africanos,
estabelecer relações amigáveis em ambientes que eu não fiz mais
que ladear sem penetrá-los. Uma performance difícil para um filho
da "burguesia" europeia. Tornei-me amigo de pessoas de condições
muito modestas. Esta amizade nasceu durante uma viagem em cima
da carga de um caminhão durante uma turnê pelo interior de Pernambuco.
Moços negros de frete, participantes de um grupo de dançarinos
de bumba-meu boi, cheios de talento, divertidos, bebedores e bêbados,
lembram, em grande estilo, os cómicos da Idade Média. Tornamo-nos
"muito amigos". Eu os espero. Dois dentre eles vão me ajudar a carregar
as bagagens até o caminhão... E sinto que haverá numerosas libações
de aguardente. Fiz ontem, como despedida, a minha turnê pelos "altos"
(versão local das favelas do Rio) que rodeiam a cidade. Adeuses,
que me apertam o coração...
carta de Pierre Verger a Métraux, Recife, 24 de outubro de 1947

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