O propósito deste blog é o de mostrar o trabalho do ilustrador,independente das regras impostas pelo mercado,nas quatro disciplinas praticadas por mim, em diferentes momentos e veículos: A Caricatura na Imprensa,A Ilustração na Imprensa,A Ilustração Editorial e O Poema Ilustrado. Também são mostradas modalidades diferentes das mesmas propostas como: Montagens das exposições e a revalorização do painel mural, através das técnicas de reprodução digital em baner.
domingo, 4 de janeiro de 2009
Esse contexto é fundamental para se ler esse poeta que,
numa atitude comum a todos os escritores beat, não separa
a sua vida da sua poesia. Ler Ferlinghetti é ler a história de
uma outra América, desconhecida da maior parte do público,
que - na década de 50 e inicio dos anos 60 - só recebia de lá
o brilho de Hollywood, coca-cola, motéis e drive-ins. Não se
ouvia falar no "mundo á prova de beijo, um mundo de tampa
de privada e taxis/ caubois de boutique / indios sem terra e
madames loucas por cinema", dos quais fala O Olho do
Poeta Vendo... Dos beats, aliás, nesse tempo, só chegaram
aquí as tentativas recuperadoras da grande imprensa americana,
que os caracterizava de cavanhaque, óculos escuros e roupas pretas,
dizendo yeah, yeah, yeah (estereótipos que alguns "académicos" da grande imprensa paulista andaram ultimamente a repetir). Através da obra
de Ferlinghetti, representada inteira nesse volume, vemos aparecer
as questões que eram tematizadas no movimento de artistas e jovens
beats dessa época: uma revolta contra os valores do capitalismo,
do trabalho alienado e da corrida de ratos atrás do dinheiro, contra
a destruição da natureza pela industria predadora, contra a proibição
arbitrária do uso de drogas não ocidentais, contra os preconceitos
ante a compreensão mágica da vida, contra o sexismo, contra a
bomba atómica. Vemos sua colocação ao lado dos trabalhadores
e dos imigrantes, pelo respeito a diversidade cultural, política e
económica, vilipendiada pelo monopólio da cultura de consumo
(protestante e anglo-saxónica). Através da sua obra, constatamos
como esses temas se mantém, atravessando o apoliticismo dos
hippies dos anos 70 (os últimos poemas são de 1981), quando
a maior parte deles já se transformou em bandeira de movimentos
organizados de ecologistas, feministas e minorias étnicas, pela
liberação da maconha, antinucleares, etc... Essas questões
pertencem a uma cultura internacional. Não tém pátria. São contra-
efeitos do capitalismo industrial, ele mesmo planetário. E estão
sendo vividos do mesmo modo nos nossos centros industriais.
A voz de Ferlinghetti, a coerência e a força da sua posição existencial
são um bom estímulo para a reflexão no momento.
Mauro Sá Rego Costa / Crónica publicada no Jornal do Brasil,
com motivo da edição da antologia "Vida Sem Fim", pela editora
Brasiliense em 1984
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