domingo, 14 de outubro de 2012

Logo após a última Guerra, naqueles anos em que andei
formando o acervo do MASP, adquirí obras de artistas
ainda não considerados como posteriormente viriam a ser.
Colocados na Pinacoteca ao lado dos mestres do Impressionismo,
suscitaram, pela diversidade e não cordial aceitação das propostas,
as costumeiras discussões, para não dizer a repulsa, do público,
o qual quase sempre prefere não se aventurar em problemas de 
quebra da ordem estética.
Assim, ao expor no Museu: Miró, Wools, Max Ernst, Karel Appel,
Ronald Kitaj, Tilson, Paolozzi, Rotela, Adami, para enumerar
apenas alguns, o apreço se restringiu a um ainda modesto
círculo dos que, ao invés de gostar do já consagrado, se dispunham
a estimar as novidades, participando idealmente da ação das
vanguardas.
Comprei a pintura de Appel na Galeria Lefévre, em Londres, há uns
vinte anos, quando sua fama não era a de hoje. Sendo holandês,
coloquei o quadro ao lado de um dos nossos Van Gogh, constatando
uma natural e viva afinidade.
A ocasião também serviu para informar os visitantes da existéncia
e afirmação do grupo Cobra, composto por Appel, Corneille, Jorn
e Alechinski, grupo então classificado "abstrato-expressionista"
ou "action-painting", como os alquimistas da crítica determinavam.
Dificil situar Appel num sistema de tendência. Ele é, como se vê
nesta grande exposição, personalidade simples, de excepcional
carga dramática, distinto pela impetuosidade imediata com que
transfere a violência das cores no espaço, sem meditar e prever
o resultado, espontâneo no impulso,no visionar apocalíptico e
passagens no infernal: a cada vez uma explosão atómica de sentimentos
evidentemente dolorosos, gritos, alardes, voltas aos primórdios,
tudo que brota do subconsciente.
Associa-se ao caráter de Van Gogh, Ensor, Munch, aos manipuladores
dos signos e formas das cavernas, à expressão popular, aos inconformistas
agressores da realidade hipócrita, aos prepotentes audaciosos das reformas
e das revoluções, decompositores do humano, recomposto, reajustado
e regenerado, sem cálculos nem misericórdia piedosa, certamente com
algumas pontas de desprezo.
Cada visitante vai analisar e julgar conforme sua experiência e vocação
para com o agitado momento da manifestação da Arte, sintoma antecipador
da vida; porém parece-me certa a compreensão da mensagem de Appel,
indicadora dos dramas que vão exaustivamente se acumulando
neste fim de século.

PIETRO MARIA BARDI
Fundador e diretor do Museo de Arte de São Paulo de 1947 a 1996


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