sábado, 30 de janeiro de 2010

Carta a Georges-Daniel de Monfreid, Tahiti, fevereiro de 1897: Mal chegou o correio, sem nada ter recebido de Chaudet, com a minha saúde quase de repente restabelecida, isto é, já sem ter oportunidade de morrer naturalmente, quis matar-me. Fuí esconder-me na montanha, aonde o meu cadáver seria devorado pelas formigas. Não tinha revólver mas possuía arsénico por mim entesourado durante o meu eczema; a dose tería sido demasiada, ou foram os vómitos que anularam a acção do veneno e o rejeitaram? Não sei. Depois de uma noite de sofrimento atroz voltei, enfim, a casa. Durante todo o mês fui assaltado por forte pressão nas têmporas, tonturas, náuseas ao menor alimento. A resolução estava tomada para o mês de dezembro. Mas antes de morrer quis pintar uma grande tela que trazia na cabeça e, pelo mês fora, trabalhei dia e noite numa febre inaudita. Bolas, que não é uma tela feita como um Puvis de Chavannes, estudo ao natural, depois um cartão preparatório, etc. Tudo isso fiz a despachar, a ponta de pincel, numa tela de serapilheira cheia de nós e rugosidades. O aspecto resultou, assim, terrivelmente rude. Dir-se-á que é desleixado, não acabado. É verdade que não nos julgamos bem a nós mesmos mas creio, todavia, que esta tela não só ultrapassa em valor todas as precedentes como não farei outra melhor nem parecida. Antes de morrer, nela empreguei toda a minha energia, uma tal paixão doloroda e em circunstâncias tão terríveis, uma visão de tal forma nítida e sem correções, que o apressado se anula e a vida surge. Não cheira a modelo, a oficina, a pretensas regras que sempre violei, algumas vezes com medo. È uma tela de 4,50 x 1,70 mts, seu título: "De onde vimos? Quem somos? Para onde vamos? Terminei uma obra filosófica sobre este tema comparado ao Evangelho. Creio que está bem. Se tiver força para recopiar, mandá-la-ei.

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