O propósito deste blog é o de mostrar o trabalho do ilustrador,independente das regras impostas pelo mercado,nas quatro disciplinas praticadas por mim, em diferentes momentos e veículos: A Caricatura na Imprensa,A Ilustração na Imprensa,A Ilustração Editorial e O Poema Ilustrado. Também são mostradas modalidades diferentes das mesmas propostas como: Montagens das exposições e a revalorização do painel mural, através das técnicas de reprodução digital em baner.
domingo, 4 de janeiro de 2009
Trimano - série Economia / "Liberdade Interditada"

O mundo é um ótimo lugar / pra se nascer /
se não te importa que a felicidade / nem sempre tenha /
muita graça / se não te importa um quê de inferno /
de quando em quando / justo quando tudo vai bem /
pois nem mesmo nos céus / se canta o / tempo todo /
O mundo é um ótimo lugar / pra se nascer /
se não te importa que alguns morram / o tempo todo /
ou sofram só de fome / parte do tempo / o que não é tão
mau assim / se não é com você / Ah o mundo é um ótimo lugar /
pra se nascer / se não te importam / algumas mentes mortas /
nos postos mais altos / ou uma bomba ou duas / de quando
em quando / nas suas caras pasmas / ou tais outras inconveniências /
que vitimam a nossa / sociedade Marca Registrada /
com a distinção de seus homens / e seus homens de extinção /
e seus padres / e outros patrulheiros / e suas várias segregações /
e investigações parlamentares / e outras prisôes /
de ventre que nosso torpe / corpo herda /
Sim o mundo é o melhor dos lugares / para tantas coisas como /
encenar diversão / e encenar amor / e encenar tristeza /
e cantar baixarias e se inspirar / e dar umas voltas / olhando de tudo /
e cheirando flores / e cutucando estátuas / e até pensando /
e beijando as pessoas e / fazendo filhos e usando calças /
e acenando chapéus e / dançando / e nadando nos rios durante /
piqueniques / no meio do verão / e no sentido amplo /
"vivendo até o fundo" / Sim / mas bem no meio disso chega /
então sorrindo o / agente funerário / de ""Retratos do Mundo
Passado" - tradução: Nelson Ascher
Antes de tudo, é bom lembrar. Em 1953, Lawrence Ferlinghetti criou,
junto com Peter Martin, a City Lights Books, que editaria todos os
primeiros livros dos poetas beats Allen Ginsberg, Gregory Corso,
McLure e Lamantia. Martin era filho de um anarquista italiano,
assassinado em 1943, e a City Lights funcionou como lugar de
reunião das ideias de seu pai em São Francisco. Era lá que eles
compravam seus jornais L'Adunata e L'Humanitá Nova.
Martin largou o negócio em um ano e passou sua parte para
Shigeyoshi Murao, mas a editora manteve a tradição libertária.
Ferlinghetti e Shigeyoshi foram presos em 1957 por publicar
literatura obcena, isto é: How! (Uivo), de Allen Ginsberg.
O julgamento de How! foi um caso nacional e abriú o caminho
para a primeira publicação na América de O Amante de Lady
Chaterley de D.H. Lawrence, Trópico de Cáncer de Henry
Miller e Almoço Nu, de William Burroughs (esse também depois
de julgamento). Foi Ferlinghetti quem - a través da City Lighs,
em 1971 e 1972 - trouxe os poetas russos Yevtuchenko e
Voznesensky para ler seus poemas em São Francisco, assim
como, em 1972, organizou leituras públicas feitas por poetas
chilenos, gregos e americanos, em apoio á luta contra a
ditadura na Grécia.
Esse contexto é fundamental para se ler esse poeta que,
numa atitude comum a todos os escritores beat, não separa
a sua vida da sua poesia. Ler Ferlinghetti é ler a história de
uma outra América, desconhecida da maior parte do público,
que - na década de 50 e inicio dos anos 60 - só recebia de lá
o brilho de Hollywood, coca-cola, motéis e drive-ins. Não se
ouvia falar no "mundo á prova de beijo, um mundo de tampa
de privada e taxis/ caubois de boutique / indios sem terra e
madames loucas por cinema", dos quais fala O Olho do
Poeta Vendo... Dos beats, aliás, nesse tempo, só chegaram
aquí as tentativas recuperadoras da grande imprensa americana,
que os caracterizava de cavanhaque, óculos escuros e roupas pretas,
dizendo yeah, yeah, yeah (estereótipos que alguns "académicos" da grande imprensa paulista andaram ultimamente a repetir). Através da obra
de Ferlinghetti, representada inteira nesse volume, vemos aparecer
as questões que eram tematizadas no movimento de artistas e jovens
beats dessa época: uma revolta contra os valores do capitalismo,
do trabalho alienado e da corrida de ratos atrás do dinheiro, contra
a destruição da natureza pela industria predadora, contra a proibição
arbitrária do uso de drogas não ocidentais, contra os preconceitos
ante a compreensão mágica da vida, contra o sexismo, contra a
bomba atómica. Vemos sua colocação ao lado dos trabalhadores
e dos imigrantes, pelo respeito a diversidade cultural, política e
económica, vilipendiada pelo monopólio da cultura de consumo
(protestante e anglo-saxónica). Através da sua obra, constatamos
como esses temas se mantém, atravessando o apoliticismo dos
hippies dos anos 70 (os últimos poemas são de 1981), quando
a maior parte deles já se transformou em bandeira de movimentos
organizados de ecologistas, feministas e minorias étnicas, pela
liberação da maconha, antinucleares, etc... Essas questões
pertencem a uma cultura internacional. Não tém pátria. São contra-
efeitos do capitalismo industrial, ele mesmo planetário. E estão
sendo vividos do mesmo modo nos nossos centros industriais.
A voz de Ferlinghetti, a coerência e a força da sua posição existencial
são um bom estímulo para a reflexão no momento.
Mauro Sá Rego Costa / Crónica publicada no Jornal do Brasil,
com motivo da edição da antologia "Vida Sem Fim", pela editora
Brasiliense em 1984
Porta secreta porta morta / que é Mãe / Porta secreta porta morta /
que é Pai / Porta secreta porta morta / de nossa vida inumada /
Porta secreta além da qual o homem deixa / suas pegadas pelas ruas /
Porta secreta á qual batem mãos de barro / Porta secreta sem trincos /
cuja vida é feita de batidas / de pés e mãos / Pobre mão pobre pé pobre vida! /
Porta secreta com dobradizas de cabelo / Porta secreta com ferrolhos de lábios /
Porta secreta com chaves de esqueletos / Porta secreta autobiografia
da humanidade / Porta secreta dicionário do universo /
Porta secreta palimpsesto de mim mesmo / Porta secreta eu sou feito dos /
pedaços de meus membros / Porta secreta falácia patética /
da evidência dos sentidos / em perceber a natureza da realidade
Porta secreta dos olhos cegos das térmitas / que batem batem /
á porta / Porta secreta um homem cego com uma pequena caneca /
numa esquina de pedra surdo e mudo / Porta secreta apito perdido de trem /
no livro da noite / Porta secreta nas rodas da noite eu sigo errante /
como um rinoceronte bebendo através de cidades /
Porta secreta das asas de pombos-correio / parcialmente esquecidos /
de seus destinos / Porta secreta asas de avião que desliza pelo espaço /
lançando sombras de pedra / sobre o relógio de sol da terra /
Porta secreta vagão voador da história / Porta secreta de Domingo sem igreja /
Porta secreta das faces do animal que sorri e sonha /
e porta secreta do homem de Cro-Magnon / entre máquinas /
Porta secreta floresta escura da América / batendo batendo á porta de Dakota do Norte / Porta secreta que voa sobre a América / inclina-se sobre São Francisco /
bate com estrondo a porta do Pacífico / e segue eternamente para o sul /
para a Terra do Fogo / sob o mar batendo / á porta perdida das minas de carvão
de Lota
Porta secreta prancha de surf em direção á perdida praia da luz /
e porta secreta flutuando com as marés / como tampa de um esquife naufragado /
levando bocas cegas seios cegos através / através dos séculos /
Porta secreta anjo do mar Albatroz em vôo /
esquichando marés de esperma de amor em trinta linguas /
e o navio-do-amor da vida / afundado pelo polvo-venenoso do ódio /
Porta secreta serpente emplumada com membros de pássaro e asas duplas /
varanda a lua em chamas eternamente bébada no tempo /
batendo as asas solitária na eternidade / Porta secreta da futura vida mística /
na nebulosa de Magalhães / e porta secreta de meu perdido / eu visionário /
Porta secreta ponte de corda de São Luis da qual pende o homem /
entre a natureza e o espírito / Porta secreta do espírito visto como algo carnal /
e porta secreta de olhos e vulvas / que se abrem apenas com chaves /
de cartilagem e carne / e porta secreta da gélida múmia do Inca /
Príncipe de Chumbo / copulando com a morte em sacrifício ao deus sol
Porta secreta irmão mudo com uma pequena caneca /
mendigando numa esquina de Cuzco /
e soprando flautas de bambu / na meia-noite da coca /
Porta secreta dos Andes a dez mil pés /
envolto em dissonantes ruínas e horizontes avermelhados /
de onde pendem litorais / ainda perdidos entre os cavalos /
e cães dos conquistadores e suas incompreensíveis leis /
Porta secreta río selvagem de Urubamba /
em algum lugar do qual ainda flutua /
a erva perdida que separa a alma do corpo /
e porta secreta que é a própria erva/
e porta secreta que é esta separação /
e porta secreta feita de espelhos / das águas deste rio /
no qual não posso vê além de mim mesmo /
porque meu corpo obstrui a visão /
Porta secreta enfim posso vê além / de seu precioso corpo um saco de osos /
que deixe nus sobre a rocha /
Porta secreta sem asas eu me elevo / além deste rio /
Porta secreta enfim caio através / do fim perdido do dia /
É crepúsculo / quando se chega a /
Macchu Picchu / Alguns indios passam dançando /
tocam suas flautas / e batem tambores / de: "Partindo de São Francisco" - 1961
Perú-Chile, janeiro-fevereiro, 1960 / tradução: Marcos A. P. Ribeiro
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