segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ENTREVISTA ABI 04 DE ABRIL DE 2010 1 – ABI – Como avalia, hoje, o espaço no mercado para ilustradores, chargistas e caricaturistas? TRIMANO– Muito precário. Temos bons artistas, na ilustração, na caricatura e na charge, mas estão sendo desaproveitados, desvalorizados e mal remunerados. Faltam editores informados e interessados em publicar ilustração. O editor é tão importante quanto o ilustrador. Não adianta um magnífico desenho se não tiver uma edição competente. No referente a charge e a caricatura, as chances de publicar são maiores, mas o espaço para ilustração autoral é praticamente nulo. Sobre o desemprego da classe: tomemos como exemplo o Salão de Humor de Piracicaba – SP, que desde a sua criação tem produzido bons desenhistas. Depois de inaugurado o Salão e outorgados os prêmios, os trabalhos são publicados na imprensa como registro do evento e os artistas são esquecidos. Não há mercado para absorver esses profissionais. Qual é o sentido, então, de se fazer um salão, mobilizando tanta gente, e premiar os mais qualificados, se posteriormente esses artistas não terão onde trabalhar? Não existem hoje publicações interessadas em ilustração como foram “Pasquim” e “Opinião” no Rio, “Raposa” em Curitiba, ou “Versus” e “Bondinho” em São Paulo, veículos alternativos de presença marcante, onde publicava gente nova de qualidade, criando um mercado que marcou época. O Brasil sempre teve fotógrafos de nível internacional, mas carece de ilustradores à altura. Por causa disto, muitos editores optam pela fotografia como solução para preencher a lacuna, mas não existe substituição. O fotógrafo “mostra”, o ilustrador “interpreta“. Um não deve invadir o campo do outro. 2 – ABI – E em especial a mídia? O que aconteceu que as ilustrações foram praticamente extintas de jornais e revistas? TRIMANO – Existem dois fatores, ao meu ver, que determinam o visual das publicações: os interesses comerciais, ligados a publicidade, cujos anúncios invadem espaços gigantescos na mídia fazendo com que as páginas dos jornais se assemelhem a propagandas de super mercado. E a moda (em todos os sentidos, inclusive na arte). Estas sugestões tem visual padronizado e criam estereótipos que induzem o leitor ao consumo fácil e rápido de conteúdos e objetos. Nesse contexto, excessivamente comercial e imediatista, a ilustração autoral não tem espaço. A imprensa, na atualidade, tem dado mais importância aos anúncios publicitários do que a publicação de matérias ilustradas, sejam elas políticas ou culturais. E a maior parte das publicações da imprensa comercial tem adotado este perfil, excluindo o ilustrador. Existem umas poucas revistas dedicadas a cultura, literatura e política, ilustradas com desenhos amadorísticos, realizados por pessoas que não são desenhistas profissionais e tampouco artistas de interesse, o que da um tom de precariedade a publicação. Esse poderia ser um mercado, mesmo restrito, para os artistas que se dedicam a ilustração autoral, se a escolha dos ilustradores fosse mais criteriosa, e se desse importância a profissionais de excelente qualidade que vivem desempregados. Já escutei disparates do tipo: -“publicar desenho é “oneroso”, é o mais grave profissionalmente é que em muitos casos não se publica ilustração para não ter que pagar o ilustrador... Sobre a importância da editoria: já me aconteceu de deixar de mandar trabalhos publicados no Brasil para exposição em revistas especializadas de fora, por causa da má edição. O trabalho se malograva pela incompetência de outros. Este controle foge a vontade do ilustrador, é tarefa do editor. Eu sinto um embrutecimento cultural muito grande na sociedade atual, um retrocesso. Se compararmos com os 70, quando a imagem foi ricamente elaborada nas artes gráficas, com projetos arriscados e diagramações interessantes nas quais o trabalho era publicado com cuidado, percebemos quanto foi perdido ou diluído em “piruetas” editoriais sem valor. Para quem viveu o idealismo desse tempo, é duro sobreviver nos gelados e nique($)lados 2.000... A partir de meados dos anos 80, com o arribo da moda denominada “besteirol”, começaram a se impor imagens baratas de consumo semelhantes a decalcomanias de banheiro, misturadas a bonecos de comics e desenhos animados. Foi a “idiotia”, o esvaziamento das imagens. Hipnotizadores do visual urbano, ignorantes dos verdadeiros antecedentes das artes gráficas no Brasil, como a revista modernista “Klaxon”, os desenhos de J. Carlos, e as xilogravuras de Oswaldo Goeldi ou Lívio Abramo. O computador veio a mudar a relação do ilustrador com os meios, e num primeiro momento chegou a excluir por completo a ilustração artesanal. Nas capas de revistas, livros e CDS se aprimorou a produção gráfica, mas a utilização excessiva do computador acabou despersonalizando o visual desses produtos. Eu defendo a idéia de que o ilustrador, em nossos dias, deve manejar tanto o desenho artesanal como o computador. Essa mistura dará como resultante uma nova forma de “olhar” a realidade. As minhas propostas de ilustração neste momento estão relacionadas as minhas primeiras referências profissionais, que foram os pintores figurativos argentinos, anteriores ao abstracionismo, que também foram ilustradores de destaque, principalmente de literatura. É improvável que eu volte a desenhar para jornalismo de acordo com os modismos imperantes, mas o trabalho de ilustração continua na área do livro, nos retratos, e nos projetos pessoais de poemas ilustrados. 3 - ABI – O desenho tornou-se, nas leis do mercado, uma arte menor? Como reverter isso? TRIMANO – O desenho, assim como a escrita manual, são inerentes ao ser humano desde a caverna. Nunca poderia ser considerado uma arte menor. O “endeusamento” da máquina, no caso, o computador, é um descaminho que sobrepõe o invento ao inventor. O mercado não passa de vulgar comércio, a gente não deve deixar “o mercado” ditar regras no conhecimento e na arte. As únicas regras que interessam a eles são as do lucro. Esse comportamento está relacionado a publicidade e nada tem a ver com ilustração, e muito menos com ilustração autoral. Aceitar que o mercado mande no trabalho de arte, que é o que vem acontecendo cada vez mais, é compactuar com o disparate. Eu creio que a única forma de reverter essa situação de precariedade, é mostrando, expondo e informando,seja na imprensa escrita, na mídia eletrônica ou em exposições coletivas onde se apresente o trabalho que vai sendo realizado, sempre que possível em espaço descompromissados com a imprensa comercial. Um exemplo do descaso dos profissionais da área para com a classe: em 2009, um grupo de 20 artistas, ilustradores e gravadores, alguns bastante conhecidos pela publicação nos meios, organizamos uma exposição coletiva no Museu Nacional de Belas Artes do Rio intitulada “Gráficos Rio”, na qual foi apresentada a nossa produção mais recente. A grande imprensa, com algumas raríssimas exceções, não tomou conhecimento. Conclusão: os órgãos da imprensa não valorizam o serviço do ilustrador, e se omitem na divulgação das exposições. Este tipo de comportamento, mostra o grau de desconhecimento e desinteresse dessa gente para com o nosso trabalho, quando dão páginas e páginas a qualquer desvario que lhês reporte audiência ou vendas astronômicas. Não interessa a qualidade, interessa apenas o lucro. 4 - ABI – Tem noticias de muitos profissionais da área que enfrentam dificuldades, exatamente por falta de campo de trabalho? TRIMANO – Alguns artistas, inclusive amigos, tiveram que se dedicar a outras atividades por causa dessa “ditadura do mercado”. Saíram ou foram saídos da imprensa... Não aceitaram a “padronização”, e também se ressentiram com a péssima remuneração. A ilustração, cujo principio é a democratização da imagem, se vê assim exposta as corridas dos ibopes e outros “comercialismos” para mal sobreviver. 5 – ABI – Quais são as suas atividades profissionais hoje, no campo do desenho? TRIMANO – Pouco tempo atrás ilustrei um livro de Machado de Assis: “Como Se Inventaram Os Almanaques”, para a editora Mercúrio de São Paulo. “A Crise da Globalização” do economista José Carlos de Assis, onde condensei ilustrações publicadas anteriormente na Folha de São Paulo e “Recordações do Escrivão Isaias Caminha” de Lima Barreto para o CNPQ. E desde 2005 trabalho nas ilustrações do “Canto Geral”, um relato da conquista da América pelos espanhóis em versos, de Pablo Neruda. Esta última série está programada para exposição em novembro e dezembro deste ano, no Museu Nacional de Belas Artes do Rio. 6 – ABI – A pesar de todo esse contexto de crise, novos talentos do desenho continuam a chegar ao mercado, o que diria a eles? TRIMANO – Não existe solução para o impasse da ilustração sem editorias que dêem apoio, e o lançamento de gente nova. Que tem muita gente nova e competente sem espaço. É necessário mudar as regras desse mercado, com editores que pesquisem e publiquem os ilustradores. Um mercado (sem panelinhas) para toda essa gente que se forma e depois não tem onde trabalhar. 7 – ABI – Desde quando desenha? Como se deu sua formação? Onde buscou inspiração? TRIMANO – Comecei a desenhar muito cedo, menino ainda, e antes dos vinte anos já tinha me profissionalizado. As minhas influências foram os pintores do realismo social argentino, que também eram muralistas e ilustradores literários. São: Lino Ênea Spilimbergo, Juan Carlos Castagnino, Antonio Berni e Carlos Alonso. Esses artistas são desconhecidos no Brasil, por causa do péssimo intercambio cultural entre os dois países. Tem gente aqui que, para nossa vergonha, vive correndo atrás das últimas novidades na América do Norte ou na Europa, e não sabem o que se passa em Montevideo... Outras influências foram as aguafortes de Rembrandt, o Expressionismo Alemão, as gravuras de Käthe Kollwitz, o Muralismo Mexicano, os desenhos do japonês Hokusai, a pintura negra e as gravuras satíricas de Francisco de Goya, e as caricaturas e litografias realizadas para a imprensa francesa do século XIX por Honoré Daumier, o antecedente mais importante do nosso trabalho de hoje. Com respeito a idéia de “inspiração”, eu acho que a orientação vem do estudo de artistas anteriores a nos, com os quais nos identificamos e praticamos uma “influência consciente”, que vai determinar nosso caminho posterior. Desta forma a gente se integra num círculo onde vai completar o aprendizado técnico e harmonizar as idéias. Eu, como todo mundo, faço parte de um contexto composto por artista que eu escolhi como modelos de acordo com as minhas afinidades. Eu acho que a sua influência determina em grande parte as fontes da minha inspiração atual, que são as pessoas e os ambientes da rua. Neste sentido, ilustrar para jornalismo, que para mim foi uma experiência definitiva, agudizou este tipo de observação, ampliou a minha compreensão da realidade. A fotografia de reportagem, presença fundamental na imprensa, também teve um papel importante no meu desenho. 8 – ABI – O que o motiva a desenhar? TRIMANO – O desenho sempre foi uma necessidade premente de expressão para mim. A ilustração, quase uma “militância”. A minha participação na realidade. Uma maneira de romper com a “elitização” burguesa da imagem exercida pelo chamado mercado de arte. 9 – ABI – Qual a principal técnica utilizada? TRIMANO – No meu trabalho a forma se sobrepõe a utilização da cor. Eu provenho das artes plásticas, de modo que estudei pintura, mas emprego a cor como gráfico, não como pintor. Não utilizo as técnicas tradicionais da pintura. Não existe trabalho de pincel no meu desenho. A cor quase sempre é ácida, e nos remete as colorações das tintas industriais por causa da utilização de canetas esferográfica e hidrográfica. No desenho de preto e branco, que foi o que caracterizou as minhas Ilustrações na imprensa, anterior a explosão da cor nos jornais, sempre utilizei o lápis como base e, principalmente o bico de pena, que conserva um parentesco com a gravura em metal, e planos negros intensos chapados a pincel. O jornal multicolorido mudou a linguagem, e com raras exceções, banalizou a cor. Eu pessoalmente, como desenhista, gostava mais do jornal em preto e branco. O visual dos jornais de trinta anos atrás tinha, para mim, uma “coloração” mais próxima da gravura, pelas manchas de pretos e cinzas. Tenho empregado todas as técnicas de desenho sobre papel, menos a aquarela, que exige um talento especial. E o acrílico sobre tela ou madeira no caso do painel mural. 10 – ABI – O que faz um grande ilustrador? Qual o segredo para se tornar um profissional de destaque, diferenciado neste campo? TRIMANO – A ilustração possui regras um pouco diferentes das que regem as artes plásticas. Eu diria que um artista, antes de se tornar ilustrador, deve se formar como plástico, mesmo sendo autodidata (não me refiro a formação universitária) e também vagabundar bastante, curioseando tudo, andar no mundo. Na ilustração para jornalismo, o homem comum é o protagonista, e isto nos leva a ilustração política, ou de comentário político, existe um exemplo deste gênero, que é o desenhista e pintor norte-americano Brad Holland, cujos desenhos em preto e branco nos remetem as gravuras de Goya. O artista ilustrador de imprensa, além da obrigação de aperfeiçoar seu desenho, é levado a ampliar seus conhecimentos sobre os diversos temas que compõem o jornal, onde se mostra a realidade do mundo. Depois que a gente se conscientiza de tudo isso, começa o aprendizado do desenhista dentro do jornalismo, e o jornalismo é dinamismo, política e ação. Um ritmo bem diferente ao do estúdio, onde o trabalho é mais recolhido, meditativo. Existe muito amadorismo na ilustração brasileira. Os motivos são a falta de tradição na prática do desenho e a falta de escolas especializadas no gênero. Por causa disto, alguns desenhistas se “fizeram” nas redações, ganhando experiência na medida em que iam publicando. A sua escola era a redação, não a escola de arte. Eu também passei muito tempo trabalhando nas redações. De acordo com a situação atual, não é fácil se tornar ilustrador de destaque. O “mercado” mediocrisa o trabalho, ofusca a personalidade do ilustrador, é uma luta inglória contra a apatia instalada nessa gente. Em última instância, acho que se o artista possui uma convicção, vai realizar a sua proposta, mesmo fora dos meios. Esta é a situação no momento. A expressão e a crítica política são banidas da arte, transformada num jogo de formalismos, reciclagens, e no pior dos casos “clonagens”,de fórmulas norteamericanas e européias, ou num simples lazer de parque de diversões. Uma corrrida de falsos mitos, que eles chamam de “celebridades”, puro desvario. A minha posição é: o nosso trabalho não deve compactuar com esses modismos. Estudar e se aprofundar tanto quanto possível, sem se deixar levar por essas “micagens” ridículas do servilismo colonizado. Nos vivemos num país onde as pessoas andam sem dentes por falta de dinheiro e amassam latas nas ruas para poder comer. De modo que o artista não pode nem deve se prestar aos maniqueísmos de modas impostas por quem manda. A ilustração cumpre uma função social. Não é um divertimento da corte, é uma intervenção crítica sobre a realidade. Preservar o próprio trabalho da contaminação dessa coisa vazia e sem sentido, é o mínimo que o artista pode fazer, o único gesto digno, com mercado ou sem ele. 11 – ABI – Nesses 40 anos de atividade, em quais empressas já trabalhou? Em quais publicações esteve presente de forma mais constante? TRIMANO – Em 1968, na minha chegada ao Brasil trabalhei como caricaturista para a Folha de São Paulo, o editor chefe era Claudio Abramo, irmão do gravador Lívio, e o diretor de arte era o cartunista Zelio. Nesse momento, em meio a grandes perturbações sociais, estava se operando uma revolução nas artes gráficas no Brasil. São desse período os simiescos retratos de “personalidades” que fiz, e que alguns editores abominavam. Ainda em 68, fui contratado pela revista Veja, que estava no número 0, fiquei até 1969. Em 1972 participei do projeto dos Fascículos da Música Popular Brasileira da Editora Abril Cultural, e do jornal Opinião. Em 1973 da revista de cultura Argumento, todos esses projetos tiveram, na direção de arte, o ilustrador Elifas Andreato. Em 1974 mudei para o Rio de Janeiro onde colaborei com o Jornal do Brasil e O Globo até 1979. Nesse mesmo período fiz parte da equipe da Revista Rock e do Jornal de Música, ambas dirigidas pelo crítico da MPB, Tarick de Souza. Em 1980, Ilustrei “A Paixão Medida” de Carlos Drummond de Andrade, e uma coleção dos romances de José Lins do Rego para a editora José Olimpio. Em 1986, Jaguar me convidou para ser editor de ilustração do Pasquim com novo projeto gráfico de Oswaldo Miranda “Mirán”, editor da revista Gráfica, única publicação especializada, dedicada aos ilustradores e artistas gráficos brasileiros. De 1993 a 2003 ilustrei regularmente a edição dominical do caderno Economia da Folha de São Paulo.
O RETRATO