quinta-feira, 27 de novembro de 2014

CURSO DE ILUSTRAÇÃO EDITORIAL
TRIMANO - Série "Estigmas"
Ilustrações sobre "Poemas Humanos" de César Vallejo
O SURREALISMO E O POEMA MILITANTE

Capa do catálogo da exposição TRIMANO - Série "Estigmas" Sala Bernardelli - MNBA - Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro - 1988


Como César Vallejo, que homenageia com esta exposição,
Trimano se retira para extremos do olhar. Vallejo se retirava
ao azul e, retraindo-se, endurecia até "apertar a alma".
Trimano se retira ao vermelho. Sob a camisa do cotidiano
polido, normal, enxerga - a traços nevrálgicos - uma prancha
anatômica. É a uma cirurgia do humano que procede a "alma
apertada": ao rasgar-se o véu das facetas, e o próprio véu das nossas peles, sobra um achado arqueológico que tem o peso do horror. Ante a normalidade catastrófica de cada momento, somos pedras que sangram, massas de músculos, lixos de ossos. As caras e o véu das roupas podem variar quanto queiram: o que importa e é decisivo
são as cartilagens que rangem.
Esses coágulos que borram os muros. Esses fios retroativos
de sangue que aplicam eletricidade nas cenas. O passado coletivo presente, como se houvesse em plena rua uma erupção rupestre. Posturas fósseis de seres isolados mineralizados por seu grafismo. A textura de pedra de um
cachorro vago ou um torso. O desenho ele próprio como
granulação de rocha - ou como segmentação porosa eletrônica, criando labirintos e malhas de definição imprecisa
Recomendando saborear a "canção dita pelos lábios inferiores do desejo", Vallejo farejava "ao longe os tutanos, 
ouvindo a sondagem profunda". Dessa mesma sondagem
procede a erupção dos estigmas, marcas arcaicas, com
ferro em brasa, que originam gestos de hoje, e cuja atuação
é lembrada, nos desenhos de Trimano, por indicadores carregados de tensão emotiva: setas, cruzes, bandagens.
É precisso ouvir os rios de sangue para ser autêntico. 
Captá-los na crueza de sua fluidez instantânea. Ouvir a pulsação dos estigmas que, em certos insetos, são órgãos
de respiração. É precisso olhar a fera de frente e compreender seu horror, que nasceu da mesma fonte dessa
intensidade vital: o prazer de estar, e em todas as modalidades do ser. Vallejo já previu que, "se assim dermos
com o nariz no absurdo, chocaremos a asa que ainda não
nasceu.
Leonardo Fróes
Petrópolis - Rio de Janeiro - 1987

TRIMANO - Retrato de César Vallejo - nanquim e guache


Filho de pai espanhol e mãe índia, o poeta César Abraham Vallejo, nasceu em Santiago de Chuco, departamento           de La Libertad, Perú, em 16 de março de 1892. Por volta
de 1908, ja estava escrevendo, e nos anos seguintes, com
a familia em aperto, tentou inutilmente estudar Medicina e
Letras. Começou dois cursos, mas não concluiu nenhum.
Em 1912, trabalhou numa fazenda, como ayudante de caixeiro. Recomeçou a estudar Letras e Leis em Trujillo,
em 1913, ano em que publica os primeiros versos.
Em 1917, tenta suicídio. Tempo depois embarca para Lima
com um caderno de poemas como bagagem. Colabora com
revistas de Trujillo e Lima, e chega a ocupar, em 1918,
a direção do Instituto Nacional, cargo que perdeu no ano 
seguinte. A pobreza o rondou.
Em 1919 publica "Los Heraldos Negros", seu primeiro livro.
Envolvido num conflito político, em 1920, é preso em Santiago de Chuco, passando 112 dias atrás das grades.
Em 1921 ganha um prêmio literário, e com o dinheiro imprime, em 1922, seu segundo livro "Trilce". Viaja a Europa
em 1923. Em Paris conhece Portinari, Artaud, Tzara, Unamuno, Huidobro. Em 1928, depois de sucessivas dificuldades econômicas, e com a saúde sempre instável,
começou a viver com Georgette, sua companheira 
até a morte.
Em 1929, viajou à União Soviética, aonde voltaria 
outras vezes. Na Espanha, em 1930-1931, conheceu
Pedro Salinas, Rafael Alberti e Garcia Lorca. 
Atividade poética e política, em Paris, em 1932, seguida do casamento com Georgette em 1934.
Em 1936, com a guerra civil na Espanha, trabalhou intensamente pela causa republicana. Esteve em Barcelona
e Madrid, e em julho de 1937 participou em Valência, como
representante do Perú, do Congresso Internacional de Escritores Antifascistas. Em setembro de 1937, escreve
"España, aparta de mi este cáliz", Depois de uma doença
súbita, possivelmente um tipo de tuberculose, que os médicos não conseguiram diagnosticar, morre em 15 de abril de 1938.