sábado, 22 de novembro de 2014

MAUREEN BISILLIAT


Na água do rio,
lentamente,
se vão perdendo
em lama; numa lama
que pouco a pouco
também não pode falar:
que pouco a pouco
ganha os gestos defuntos
da lama;
o sangue de goma,
o olho paralítico
da lama.

Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.

Difícil é saber
se aquele homem
já não está
mais aquém do homem
ao menos capaz de roer
os ossos do ofício;
capaz de sangrar
na praça;
capaz de gritar
se a moenda lhe castiga o braço;
capaz
de ter a vida mastigada
e não apenas
dissolvida
(naquela água macia
que amolece seus ossos
como amoleceu as pedras).

João Cabral de Melo Neto

MAUREEN BISILLIAT


FÁBULA DO CAPIBARIBE

A cidade é fecundada
por aquela espada
que se derrama,
por aquela
úmida gengiva de espada.

No extremo do rio
o mar se estendia,
como camisa ou lençol,
sobre seus esqueletos
de areia lavada.

(Como o rio era um cachorro,
o mar podia ser uma bandeira
azul e branca
desdobrada
no extremo do curso
- ou do mastro - do rio.

Uma bandeira
que tivesse dentes:
que o mar está sempre
com seus dentes e seu sabão
roendo suas praias.

Uma bandeira
que tivesse dentes:
como um poeta puro
polindo esqueletos,
como um roedor puro,
um polícia puro
elaborando esqueletos,
o mar,
com afã,
está sempre outra vez lavando
seu puro esqueleto de areia.

O mar e seu incenso,
o mar e seus ácidos,
o mar e a boca de seus ácidos,
o mar e seu estômago
que come e se come,
o mar e sua carne
vidrada, de estátua,
seu silêncio, alcançado
á custa de sempre dizer
a mesma coisa,
o mar e seu tão puro
professor de geometria).

O rio teme aquele mar
como um cachorro
teme uma porta entretanto aberta,
como um mendigo,
a igreja aparentemente aberta.no rio

Primeiro,
o mar devolve o rio.
Fecha o mar ao rio
seus brancos lençóis.
O mar se fecha
a tudo o que no rio
são flores de terra,
imagem de cão ou mendigo.

João Cabral de Melo Neto 

MAUREEN BISILLIAT


MAUREEN BISILLIAT


DISCURSO DO CAPIBARIBE

Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.

Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.

O que vive
incomoda da vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.

Como todo o real
é espesso.
Aquele rio 
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.

Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessa
se um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa
se a fome a come.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.

Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.

E espesso
por sua fábula espessa;
pelo fluir
de suas geléias de terra;
ao parir
suas ilhas negras de terra.

Porque é muito mais espesso
a vida que se desdobra
em mais vida,
como uma fruta
é mais espessa
que sua semente;
como a flor
é mais espessa
que sua árvore,
etc., etc.

Espesso,
porque é mais espessa
a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia
(como uma ave
que vai cada segundo
conquistando seu vôo).

João Cabral de Melo Neto

MAUREEN BISILLIAT


CURSO DE ILUSTRAÇÃO EDITORIAL
FLÁVIO DE CARVALHO
O MODERNISMO DE SÃO PAULO
A SOCIEDADE DO "HOMEM NU"

FLÁVIO DE CARVALHO é o nome artístico 
de Flávio de Resende Carvalho.
Barra Mansa, São Paulo 1899 
Valinhos, São Paulo, Brasil 1973.
Foi um dos grandes nomes da geração modernista,
atuando como arquiteto, cenógrafo, pintor, desenhista
e performer.
Filho de familia abastada, pôde receber uma educação
privilegiada, estudando na França e na Inglaterra entre
1911 e 1914. Em 1922 formou-se em engenharia civil,
e ao mesmo tempo e na mesma universidade, cursa
seus estudos de artes plásticas.
Retornando ao Brasil, em 1924, empregou-se como
desenhista calculista na firma de construção civil Ramos
de Azevedo.
Flávio de Carvalho escrevia sobre arquitetura no extinto
jornal "Diário de São Paulo", e em 1956, seu editor pediu
que fizesse um modelo de roupa masculina. Flávio deu
o nome de "Experiência 3" ao seu projeto, e criou uma
saia de nílon, uma camisa bufante, um chapeu e uma meia
de modelo arrastão, com sandálias de couro como solução
para o exessivo calor. Ele mesmo desfilou com seu protótipo
em 18 de outubro daquele ano em São Paulo.
A sua definição: "...ê na realidade, a vestimenta de um modelo futurista. a cidade do "homem nu", sem deus, propriedade privada ou casamento, um ser selvagem com
todos os seus desejos, toda a sua curiosidade intacta e não
reprimida como era pela conquista colonial. Em busca de
uma civilização nua".
1926 - Inicia colaboração como ilustrador no "Diário da Noite" de São Paulo.
1929 - Encontra-se com Le Corbusier (1887-1965).
1931 - Realiza a sua "Experiência 2", de forma provocativa,
caminha, com boné na cabeça, em sentido contrário ao de
uma procissão católica de Corpus Christi. Quase linchado,
é salvo pela polícia.
1932 - Participa do Movimento Constitucionalista como
capitão engenheiro.
1932-1934 - Funda o "Clube dos Artistas Modernos", com
Antonio Gomide (1895-1967), Di Cavalcanti (1897-1976),
e Carlos Prado (1908-1992).
1933 - Cria o "Teatro da Experiência" encenando o "Bailado
Do Deus Morto", espetáculo de teatro-dança da sua autoria,
para o qual cria cenografia e figurinos para os atores-dançarinos, em sua maioria negros, usando máscaras de aluminio. O teatro é fechado pela polícia sob alegação de atentatório aos bons costumes.
1934 - Sua primeira exposição individual, inaugura em 28
de junho, e é fechada pela polícia em 12 de julho sob alegação de atentado ao pudor e imoralidade. Cinco obras são apreendidas, a mostra é reaberta por ordem judicial em
26 de julho.
1936 - Publica pela editora Ariel do Rio de Janeiro, o livro
de sua autoria "Os Ossos do Mundo", com prefacio de Gilberto Freire (1900-1987). O livro relata as impressões
de uma viagem realizada à Argentina nesse ano, com um
grupo de engenheiros de São Paulo.
Realiza a decoração do baile oficial do Carnaval paulista.
Projeta e realiza conjunto de 17 casas conhecido como Vila América.
1947 - Faz a Série "Trágica", nove desenhos a lápiz,
que registram a agonia de sua mãe.
1950 - Projeta cenários luminosos para balé, com música
de Camargo Guarnieri (1907-1993), apresentado no Teatro
Municipal.
1955 - Inicia a publicação da sua coluna "Casa, Homem, Paisagem", no "Diário de São Paulo".
1956 - Realiza cenários para o bailado "Ritmos" de Prokofief,
apresentado no Teatro Cultura Artística.
1967 - Lança pela editora Edart, o álbum Flávio de Carvalho
com 32 desenhos.
1968 - Realiza o Monumento a Garcia Lorca na Praça das
Guianas.
1973 - Publica "A Origem Animal de Deus" e "O Bailado Do
Deus Morto", pela editora Difusão Europeia.

dados extraídos da Wikipédia 

FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Mario de Andrade - óleo 1939


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Oswald de Andrade e Julieta Bárbara - = óleo 1939


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato da pianista Yara Bernette - óleo 1967


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Aram Katchaturian - óleo 1956


FLÁVIO DE CARVALHO - Auto-retrato - óleo 1965


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Nicolás Guillén - óleo 1948


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Pietro Maria Bardi - óleo 1984


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Mario Schemberg - óleo 1988


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Maria Della Costa - óleo 1951


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Murilo Mendes - óleo 1951


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Ingá - lápiz 1945


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Sanglard Junior - nanquim 1937


FLÁVIO DE CARVALHO - Retrato de Assis Chateaubriand - nanquim 1971


FLÁVIO DE CARVALHO - nanquim 1956


FLÁVIO DE CARVALHO - nanquim


FLÁVIO DE CARVALHO - nanquim 1942


FLÁVIO DE CARVALHO - Performance: "Experiência Nº 3" - (apresentação do saiote ao público) - 1956


FLÁVIO DE CARVALHO - Dois projetos de cadeiras modernistas - madeira pintada - Bienal de Veneza 1950


FLÁVIO DE CARVALHO - Projeto abitacional - São Paulo 1936


FLÁVIO DE CARVALHO - Idem


FLÁVIO DE CARVALHO - Projeto do Palácio de Governo - São Paulo 1927


FLÁVIO DE CARVALHO - Fazenda Capuava - São Paulo 1970


SÉRIE TRÁGICA - AGONIA DA MÃE - 9 DESENHOS 
LÁPIZ - 1947

FLÁVIO DE CARVALHO - Série Trágica


FLÁVIO DE CARVALHO - Série Trágica


FLÁVIO DE CARVALHO - Série Trágica


FLÁVIO DE CARVALHO - Série Trágica