domingo, 18 de janeiro de 2009

"A Rosa do Povo" Carlos Drummond de Andrade
PROCURA DA POESIA / Não faças versos sobre acontecimentos./ Não há criação nem morte perante a poesia./ Diante dela, a vida é um sol estático,/ Não aquece nem ilumina./ As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam./ Não faças poesia com o corpo / esse exelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica./ Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro / são indiferentes./ Nem me reveles teus sentimentos./ que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem./ O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Trimano - 2008 / série "Perfis"

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz./ O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas./ Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto â linha de espuma./ O canto não é a natureza nem os homens em sociedade./ Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam./ A poesia (não tires poesia das coisas) elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques, não indagues./ Não percas tempo em mentir. Não te aborreças./ Teu iate de marfim, teu sapato de diamante./ vossas mazurcas e abusôes, vossos esqueletos de familia / desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.// Não recomponhas / tua sepultada e merencória infância./ Não osciles entre o espelho e a / memória em dissipação./ Que se dissipou, não era poesia. Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras./ Lá estão os poemas que esperam ser escritos./ Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superficie intata./ Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário./ Convive com teus poemas, antes de escrevê-los./ Tem paciência, se obscuros. Calma se te provocam./ Espera que cada um se realize e consume / com seu poder de palavra / e seu poder de silêncio./ Não forces o poema a desprender-se do limbo./ Não colhas no chão o poema que se perdeu./ Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará su forma definitiva e concentrada no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras / Cada uma / tem mil faces secretas sob a face neutra / e te pergunta, sem interesse pela resposta / pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave? // Repara: ermas de melodia e conceito, elas se refugiaram na noite, as palavras. / Ainda úmidas e impregnadas de sono,/ rolam num río difícil e se transformam em desprezo.