sábado, 17 de agosto de 2013

O deserto já motivou a produção de muitas imagens e histórias.
Já foi atrelado a buscas místicas e existenciais, incorporado
como lugar de privações e resistência sem esquecermos
o isolamento e vazio. Uma paisagem onde é quase impossível
encontrar foco.
Ao apresentar a proposta "Deserto Gráfico" Luciano Feijão
e Gabriel Albuquerque propõe, entre outros possíveis
significados para o tema, a idéia de que a folha branca de papel
ainda imaculada é como um campo vasto de possibilidades.
Acostumados a ter uma narrativa por companhia, ela espelhava
uma certa angústia comparada a um vazio interior: o que desenhar?

JULIO TIGRE

LUCIANO FEIJÃO - "Deserto Gráfico 10" - crayón 2012


LUCIANO FEIJÃO - "Deserto Gráfico 09" - crayón 2012


Se pensarmos na profusão de imagens as quais hoje somos submetidos,
encarar este vazio como o fundo branco de uma tela é no mínimo ingênuo.
O deserto que se pronuncia por trás de nossa retina
é uma massa diversificada de imagens, onde o excesso
não permite também foco, deixando-nos incapacitados
de descrever com detalhes o que realmente vemos.
Os desenhistas nessa proposta aceitaram este desafio e, cada qual a sua maneira,
emprenderam sua jornada neste oceano de referências, que já vieram
como síntese de outras imagens, imagens pós-texto, parafraseando
o pós-histórico de Vilém Flusser em seu texto "O futuro da escrita", quando propõe
uma linha evolutiva onde as imagens pre-históricas que representam o mundo,
aos poucos tornam-se históricas com a escrita. Com a tecnologia chegamos
às imagens técnicas, estas tecno-imagens representam na verdade textos.

JULIO TIGRE

LUCIANO FEIJÃO - "Deserto Gráfico 03" - crayón 2012


LUCIANO FEIJÃO - "Deserto Gráfico 04" - nanquim 2012


LUCIANO FEIJÃO - "Deserto Gráfico 01" - crayón 2012


O desenho não é somente uma coisa mental.
O desenho tem a memória do pulso, do corpo que é capaz
de alterar o que a mente planeja, porque não somos uma máquina
que reproduz mecanicamente o que foi programado.
Esta memória do corpo no desenho tem a precisão de um instrumento,
uma mecânica de expressão. É com ela que o artista desenhista
elabora na prática seu pensamento e que, por vias diversas,
é capturado pelo olhar e transformado em memória.

JULIO TIGRE

LUCIANO FEIJÃO - "Deserto Gráfico 07" - nanquim 2012


LUCIANO FEIJÃO - "Deserto Gráfico 02" - nanquim 2012


LUCIANO FEIJÃO - "Deserto gráfico 06" - nanquim 2012


Luciano Feijão buscou outro território com seu desenho,
a vastidão interior, para a qual preferimos, muitas vezes, virar as costas,
ocupando-nos de nossa existência mundana. Quem sou eu?
E toda vez que olha o espelho o vê estilhaçar, esfacela-se.
Suas figuras parecem querer representar mais de uma personagem
buscando a habitabilidade neste mundo, que quer povoar este deserto interior
esquartejando-se e duplicando-se, e, novamente, é remontada
em uma nova configuração. Um personagem que se duplica em vários
e acaba por se transformar em nenhum.
A identidade passa do conteúdo para o traço ,
uma tarefa árdua no processo do artista em produzir estas dez pranchas.
Feijão torna suas figuras torturadas numa paisagem de corpos
trabalhados obsessivamente com hachuras.

JULIO TIGRE 

LUCIANO FEIJÃO - "Deserto Gráfico 08" - nanquim 2012