domingo, 11 de dezembro de 2016

CURSO DE ILUSTRAÇÃO EDITORIAL
O CONHECIMENTO SECRETO
de DAVID HOKNEY
ENSAIO DIDÁTICO SOBRE A UTILIZAÇÃO DE LENTES
NA ARTE OCIDENTAL DESDE O RENASCIMENTO   

O CONHECIMENTO SECRETO 4 - DAVID HOKNEY


O CONHECIMENTO SECRETO - DAVID HOKNEY - Retrato à lápiz acabado, feito utilizando a câmara escura


Essas fotografias mostram o processo em maior detalhe.
Na primeira foto, pode-se ver a projeção no papel
à medida que faço minhas marcas iniciais. 
Após tomar as medidas, retiro o papel e completo o desenho
do natural (o retrato acabado se encontra na abertura desta
postagem). A pessoa, sentada todo esse tempo lá fora,
é capaz de ver muito pouco do que se passa no interior 
do quarto. Nem se da conta de que o espelho está ali
(acima e à esquerda).

David Hokney 

O CONHECIMENTO SECRETO 4 - DAVID HOKNEY utilizando a câmara escura


IDEM


IDEM


IDEM


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O CONHECIMENTO SECRETO 4 - JEAN-AUGUSTE-DOMINIQUE INGRES - lápiz - 1816


O CONHECIMENTO SECRETO - JAN VAN EYCK - "Retrato do cardeal Niccolò Albergati" - lápiz - 1431


O retrato acima, é um dos poucos remanescentes
de Jan Van Eyck. Dizem ser do cardeal Niccolò Albergati,
e foi desenhado quando ele esteve em Bruges numa viagem
de três dias, em dezembro de 1431. Para mim tem o aspecto
de um desenhos de Ingres, como o de mais acima, 
pois a fisionomia é perfeitamente precisa, ao passo 
que as roupas nem tanto, possivelmente feitas a olho.
As pupilas do cardeal estão vivamente contraídas, como se
ele se encontrasse sob forte luz. Como descobri com 
o arranjo de lente-espelho, é necessária luz forte para qualquer projeção "natural".

David Hokney
BOURGUEREAU
OS VÍCIOS DA "IMITAÇÃO"

O CONHECIMENTO SECRETO - WILLIAM BOUGUEREAU - "Banhista" - óleo


A banhista de William Bourguereau (1825-1905), é posterior
as de Cézanne. O Burguereau é um exemplo de pintura
"acadêmica" de salão, que Cézanne pensava ser desonesta
insensatez. Podemos de fato rir dela; parece tão absurda -
aquela onda prestes a rebentar na moça, que não está
nem um pouco preocupada. De fato, a onda mais nos parece
hoje o que chamaríamos uma retroprojeção; é inevitável
que seja assim. Podemos ver nitidamente que ela está
reclinada numa espécie de plataforma (com beiradas
para imitar pedras) e não guarda nenhuma ligação real
com a água. O Burguereau é uma janela além da qual tudo é
ilusão e fantasia. No final, a visão de Cézanne da pintura triunfou sobre a acadêmia e franqueou novos modos de ver.
A de Bourguereau foi enfim descartada como tolice.
Mas, hoje, o "artificial" Bourguereau está de fato 
mais próximo à maioria do vasto número de imagens 
que as pessoas vêem: fotografias, filmes, TV. 
Que modo de ver e representar, afinal, realmente triunfou?
A imagem fotográfica! 
A pintura de Bourguereau inclui também certas coisas
que podemos ver no início do século XXI, mas que talvez
não tenhamos necessariamente notado antes.
Observe como os contornos da ninfa foram suavizados
para se mezclarem ao mar. Não são traços nítidos, definidos. Isso é algo que hoje os computadores podem fazer quando
se quer sobrepor uma fotografia a outra: basta usar 
a ferramenta de suavização de linha no programa de edição
de imagem. E assim, após mais de um século, a mão
do artista está retornando para corrigir a câmara, levando-nos de volta para onde estivemos um dia, antes 
de sermos seduzidos pela "verdade" da fotografia.
Que diferença do século XX para o século XXI! No início
do século, a maioria das imagens ainda era feita a mão,
individualmente, pelos artistas. Na alvorada do novo milênio
muito poucas o são, porém milhões de pessoas vêem 
o mundo através de imagens feitas com uma lente. Mas são
essas imagens reproduções confiáveis da realidade que
um dia pensamos serem? Será que a fotografia, por tanto
tempo vista como fielmente real, como intocada pela mão humana, embotou nossa visão, diminuiu nossa capacidade de ver o mundo com alguma clareza?
O computador está mudando também o jeito de fazer 
e compreender imagens. Com sua ajuda, pontos de vista 
múltiplos - perspectiva de janelas múltiplas - podem agora
retornar aos quadros. Ele traz de volta também o desenho -
a mão do artista - à imagem da lente, embora seja difícil
escapar totalmente à perspectiva (se a perspectiva fosse
invertida, quando você jogasse videogame tería sempre
a sensação de estar matando a si próprio).    

David Hokney
VAN DYCK