segunda-feira, 5 de março de 2018

trecho

O Missouri desemboca enorme nas águas do Mississippi
em St. Louis, levando o tronco em sua odisséia dos ermos
de Montana até as noites e as margens de Hannibal, Cairo,
Greenville, e Natchez... e passamos pela velha Algiers,
de Louisiana (onde, agora, está Bill Burroughs).
"Uniões!... É isso o que são! - Uniões!"
Minha balsa singra as águas marrons até New Orleans;
olho por sobre a amurada; e lá está aquele tronco 
de Montana passando... Como eu, um andarilho 
em obscuros leitos de rio, movendo-se lentamente
com satisfação e eternidade. À noite, na noite chuvosa...
Mas o Mississippi - e meu tronco - passa em sua jornada
por Baton Rouge, onde, quilômetros a oeste, algum
fenômeno subterrâneo sobrenatural criou os bayoux (pánta-
nos e regiões alagadas da Louisiana) quem sabe? - a oeste
de Opelousas, sudeste de Ogallala, sudoeste de Ashtabula -
e lá nos bayoux, também (e portanto), através do paciente 
olho da minha alma flutua o espectro das brumas, 
o fantasma, a feiticeira do pântano, a luz da noite, o sudário
de névoa que cobre o Mississipi e Montana e toda a terra
assombrada; para trazer-me a mensagem do tronco.
Espírito por espírito essas formas de bayoux nadam 
pela noite pantanosa, de palácios musgosos, da mansão
da serpente; e li o manuscrito extenso e elaborado
da noite.
E o que é o rio Mississippi? É o movimento da noite; 
e o segredo do sono; e o mais vazio dos rios americanos
que carregam (da mesma forma que o tronco é carregado)
a história de nossa fúria mais verdadeira: - a fúria da alma
mortal e nociva que nunca dorme... E diz à noite, "Sabe que
isso é o que sempre sinto? Eu sei? Você sabe? Quem sabe?
Mas isso é vago... mentiroso. (Um aperto no estômago.)
O rio Mississippi termina na noite plausível do golfo (chamado de México): e o meu tronco rachado e errante,
encharcado, parcialmente afundado e virado pelo peso
da água em seu interior, flutua para o mar... ao redor
dos recifes... onde o barco oceânico (como uma balsa eterna) passa uma vez mais por seu estranho destino
como um espectro. E o velho Bill está sentado sob a luz
(lendo os diários de Franz Kafka), enquanto eu, um poeta
descuidado, um olho, um homem, um espectro, um vigia
de rios, da noite; panorama e continentes (e de homens e mulheres); rabisco em San Francisco.
Pois a chuva é o retorno do mar, e do rio - não do lago -
é a chuva tornando-se noite, e a noite é água e terra,
e não há estrelas que mostram à amortalhada terra suas
curvas e dobras em outros mundos que não precisamos
mais: eu sei (e escrevo).
E a noite chuvosa, um rio, è Deus, como o mar os rios e chuvas ocultam. Tudo é seguro. E garantido
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Irei um dia ver meu mar na curva do rio? Ou apenas rolarei
para ele à noite, em silêncio: o golfo do México
é uma eternidade.

tradução Edmundo Barreiros      

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