segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Algo de que ele dependia, que fazia falta
ao seu organismo. Só conseguia pensar, trabalhar 
com eficiência, dentro daquele conjunto de ruídos
absorventes que lhe davam a certeza de que a cidade
marchava, à pleno vapor, e ele era parte dela,
um acréscimo. E que sem ele, o outro - numa escala
infinita, esta cidade iria parar, quebrando toda a estrutura.
Então, aquele silêncio distinto, imenso vazio dentro da tarde,
provocou nele primeiro um sentimento de desconforto.
Em seguida, veio a insegurança, a dúvida 
sobre sua situação. Estava na sua própria cidade,
ou caíra de repente dentro de um pesadelo?
Quando o homem duvida, o seu mundo cai em ruínas,
desaparecem os pontos de apoio, os suportes familiares
e ele se balança como boneco joão-teimoso.
O desconforto surgiu e ele teve vontade de gritar.
Mas, se gritasse, iriam achar que ele estava louco.
E os loucos são eliminados dos grupos normais.
Mas ele queria gritar. O ar que enchia seu corpo precisava
ser expelido. Sentia-se como o pneu que suporta 
vinte e duas libras e está com trinta e cinco, 
a ponto de estourar. Os músculos do seu peito, a carne toda,
doiam, dentro da tensão. Então gritou. Ouviu o grito
com nitidez dentro do silêncio que abrigava os ruídos
da tarde... Olhou assustado para as pessoas e foi 
como se elas estivessem surdas. Nem se viraram.
Gritou de novo, percebendo que o primeiro grito fora
mais um urro, só para expulsar a massa de ar.
E gritou de frente para uma moça de amarelo.
E a moça gritou. E os dois gritaram juntos, e sorriram.
Viram outros sorrindo.

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