quinta-feira, 26 de julho de 2012

Saltei precipitadamente os degraus da escada
e transpus o espaço guiado por uma secreta atração,
observando com vagar. Fiquei detido ali com uma aflição
inexplicável e arrepiante. Duvidei por breves segundos e,
favorecido pelos últimos clarões do dia, olhei atentamente
para dentro.
Vi, num átimo, um rosto macilento e selvagem entre as sombras,
mortalmente desfigurado e causando terror.
Ganhei coragem - embora já percebesse tudo, oh Deus! -
e parei diante da porta, esforçando-me para reconhecer 
a máscara apavorante.
Era o rosto do meu pai!
Um macaco, sim! Toda a verticalidade truncada e o arrojo
acrobático, todo o jogo de nervos, a expressão facial
e os gestos, o esqueleto, e até o pelo eriçado. O fio
sutilíssimo com que é tramada a membrana inconsútil
da espessura matematicamente exata que o tempo e a lógica
universal estabelecem, anulam e transpõem as colunas
e o curso da vida!
- Grrrrr!... Grrrrr". - grunhiu nervosamente.
Posso assegurar que ele não me reconhecera. Movimentou-se
com destreza, se posicionando no antro onde se refugiara e -
refén de uma apreensão verdadeiramente própria de um gorila enjaulado
perante as pessoas que o observam e o importunam -
saltava e grunhia, arranhava o estuque do covil vazio, sem parar de observar
um só instante, pronto para defender-se ou atacar.
- Meu pai! - supliquei, impotente e débil, e avancei para abraçá-lo.
Ele suspendeu bruscamente o seu as diabólico, desarmando
toda a sua feição selvagem e parecia resgatar num só impulso
toda a treva do seu pensamento
Chegou até mim, calmo e terno, transfigurado em homem,
como por ventura se aproximou de minha mãe no dia em que se abraçaram
tão humanamente, até extrair o sangue com que encheram meu coração
e o impeliram para que pulsasse no compasso da minha fronte e
dos meus pés.
Mas quando pensei que algo nele se iluminara, ao conjuro milagroso
do clamor filial, deteve-se a poucos passos, como que corrigindo o seu ato,
no enigma da sua mente enferma. O seu rosto barbudo  ensaiou uma expressão
desorbitada, distante e enfraquecida, com tal vigor interior que provocou em mim
uma crispação a ponto de virar o olhar, despertando a sensação fria de uma
realidade completamente transtornada.
Tentei falar-lhe mais uma vez e com todo o ímpeto.
Riu de maneira insana.
- A estrela... - balbuciou. E articulou novos grunhidos.
A angústia e o terror me fizeram suar glaciarmente.
Emiti um soluço sentido, contornei a escada e saí daquela casa.

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