sábado, 28 de julho de 2012

Luís Urquizo pertencia a uma familia numerosa da região.
Era muito querido pelos seus, que lhe prestavam todo quidado
a a assistência carinhosa. Certa vez, fiquei sabendo de algo
assustador. Todos os familiares de Urquizo que com ele conviviam,
estavam loucos também. E mais. Todos eram vítimas de uma
obsessão comum, de uma mesma ideia zoológica, grotesca, grave,
de um ridículo fenomenal: acreditavam que eram macacos,
 e assim viviam.
Minha mãe convidou-me uma noite para ir con ela saber noticias
dos parentes loucos. Não encontramos ninguém quando lá chegamos,
só a mãe de Urquizo que se distraia a mexer num monte de papeis sujos,
sob a lâmpada que pendia no centro da sala. Dado o isolamento e atraso
daquele povoado, que não tinha instituições de caridade nem polícia, 
os doentes saiam quando queriam para as ruas. Perambulavam, 
entravam nas casas, despertando sempre o riso e o pesar.
Ao nos ver, a mãe dos alienados ganiu agudamente, franziu as sobrancellas
com força e selvageria; continuou a vibrá-las para cima e para baixo, 
lançou com um gesto mecânico a folha de papel que manuseava e acocorou-se
sobre a cadeira com a rapidez infantil de um estudante que fica sério
diante do professor, escondeu os pés, dobrou os joelhos até a altura do tronco e,
nessa atitude, semelhante a uma múnia, esperou que entrássemos na casa
cravando os olhos - irrequietos, inexpressivos e selváticos - nas nossas
figuras, e naquela noite eles suplantaram assombrosamente os olhos
de um macaco, a boca revelava a ira. Minha mãe encostou-se a mim,
assustada e trêmula, e eu fui dominado por uma arrepiante sensação de espanto.
Mas não, sob a claridade da lâmpada, distinguimos naquela face perdida,
sob o cabelo que caia em crinas asquerosas até os olhos, começando logo
a franzir-se e mover-se sobre o miserável e esfarrapado tronco, virando-se
para os lados, como se estivesse sendo ajudada por forças invisíveis
ou por ruidos misteriosos produzidos nas barras metálicas de um parque.
A louca, como se prescindise de nós, começou a esfregar e a catar a barriga, as costas, os braços, triturando os parasitas com seus dentes amarelos.
Gania, às vezes, longamente e espreitava a sua volta, olhava a porta, 
como se fizesse uma advertência. Minha mãe, transcorridos alguns minutos
de espectativa e medo, fez-me um sinal para retroceder e abandonarmos a casa.
Este fato ocorreu há pelo menos vinte e três anos, até que, após ter vivido distante dos familiares por causa dos meus estudos em Lima, regressei um dia a Cayna,
a povoação que, além de solitária e distante, era como uma ilha para além
das montanhas ermas. O povoado arcaico de agricultores humildes, separados dos grandes centros civilizados do país por imensas e quase inacessíveis cordilheiras, vivia longos períodos de esquecimento e de absoluta falta de comunicação
com as outras cidades do Peru.
Devo chamar a atenção para a circunstância muito inquietante de não ter recebido
notícias da minha familia nos seis últimos anos em que estive ausente.
Minha casa situava-se quase a entrada do povoado.
Pairava um poente de maio - desses suaves e reflexivos poentes do leste peruano - sobre a cidade que, não sei por que razão, tinha naquela hora, na sua solidão e abandono exteriores, o ar de desgraça, o obstinado ar de abandono.
A falta de zelo e destruição transpareciam em toda parte. Não havia nem uma pessoa, a ao atravessar algumas esquinas os meus nervos enrijeceram-se, golpeados
por uma brusca impressão de ruína. Sem dar-me conta, estive à beira de chorar.

Nenhum comentário: