sábado, 28 de julho de 2012

Anos mais tarde, com a ausência de um tratamento oportuno,
agravou-se a sua demência de uma maneira quase mortal,
chegando ao mais truculento e edificante drama do homem
que sustém um triângulo de dois ângulos, que morde o cotovelo,
ri diante da dor e chora perante o prazer. Urquizo chegou a vagar
além das fendas eternas, onde correm para se agrupar na harmonia
e plenitude do som os sete matizes centrais da alma.
Entretanto, encontrei-o uma tarde. Desde que o vi, pouco antes de
cruzarmos, despertara na minha desabituada indulgência sobre
aquele desgraçado que, alem do mais, era meu primo em não sei
qual remota consanguinidade materna. Ao lhe ceder o caminho
para passar e saudá-lo, tropecei nas pedras da rua e enconstei
o meu braço no dele. Urquizo protestou indignado:
- Está louco?
A exclamação sarcástica do alienado fez me rir, e depois foi motivo 
de interrogações quando os mistérios da razão se transformam
em espinhos, estagnando no cerrado e tormentoso círculo
da lógica fatal entre os dois lados da cabeça.
Po que esta forma de indução em atribuir-me o descompasso
de parafusos que só ele possuía?
Com efeito, esse último sintoma transpassava já os limites da
alucinação sensorial. Isso era transcendente, sem dúvida,
já que representava nada menos do que um juízo,
o entrelaçamento de fios profundos, um lado da consciência.
Urquizo devia, pois, acredita nas suas capacidades,
estava perfeitamente seguro disso e, desde esse ponto de vista,
era eu o verdadeiro louco por ter esbarrado nele sem motivo.
Seguia esse plano de raciocínio que se denuncia em quase todos
os alienados, um plano que,por sua desconcertante ironia,
fere e escarnece dos órgãos mais cordatos até tirar-nos toda rédea mental
e varrer todos os ritos da vida.
Por isso, a surda exclamação do louco cravou-se de tal maneira
em minha alma, chegando a comover meu coração.  

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