terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

detalhe

O carro atravessara o Largo da Lapa e o seu caminho foi interrompido
por uma aglomeração de populares. Da caleça, pude ver o que havia. Era uma mulher das muitas que povoam o largo e proximidades, que ia entre dois soldados. Recordei-me que já tinha visto aquela fisionomia. Esforcei-me
por lembrar. A minha vida começou a desfilar e quando cheguei à casa
da italiana, lembrei-me que era a amante do Deputado Castro. / Perguntei
então a mim mesmo por que não casara aquela rapariga, por que não vivera
dentro dos costumes tidos por bons. Não achei resposta, mas julguei-me,
não sei por que, um pouco culpado pela sua desgraça. / O carro chegou e
eu saltei para ajudar Leda a apoiar-se. Paguei ao cocheiro e, na calçada, ela
perguntou-me: / - Não entras? / - Não, obrigado. / Insistiu varias vezes, mas recusei. Vim vagamente a pé até o Largo da Carioca, sem seguir um pensamento. Vinha triste e com a inteligência funcionando para todos os
lados. Sentia-me sempre desgostoso por não ter tirado de mim nada de grande, de forte e ter consentido em ser um vulgar assecla e apaniguado de um outro qualquer. Tinha outros desgostos, mas esse era o principal.
Por que o tinha sido? Um pouco devido aos outros e um pouco devido a mim.
Encontrei Loberant: / - Então? perguntou maliciosamente. / - Deixei-a em casa. / - Pois se eu me tinha separado de vocês de propósito... Tolo!
Vamos tomar cerveja... / Antes de entrar, olhei ainda o céu muito negro muito
estrelado, esquecido de que nossa humanidade já não sabe ler nos astros
os destinos e os acontecimentos. As cogitações não me passaram... Loberant, sorrindo e olhando-me com complacência, ainda repetiu. - Tolo! / Todos os Santos, Rio de Janeiro - 1908

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