sexta-feira, 15 de abril de 2016

Anos mais tarde, com a ausência de um tratamento oportuno, agravou-se a sua demência de uma maneira
quase mortal, chegando ao mais truculento e edificante
drama do homem que sustém um triángulo de dois ângulos,
que morde o cotovelo, ri diante da dor e chora perante
o prazer. Urquizo chegou a vagar além das fendas eternas,
onde correm para se agrupar na harmonia e plenitude
do som os sete matizes centrais da alma.
Entretanto, encontrei-o uma tarde. 
Desde que o vi, pouco antes de cruzarmos, despertara
na minha desabituada indulgência sobre aquele desgraçado
que, além do mais, era meu primo em não sei qual remota
consanguinidade materna. Ao lhe ceder o caminho para
passar e saudá-lo, tropecei nas pedras da rua e encostei
o meu braço no dele. Urquizo protestou indignado:
Está louco?
A exclamação sarcástica do alienado fez-me rir, e depois
foi motivo de interrogações quando os mistérios da razão
se transformam em espinhos, estagnando no cerrado
e tormentoso círculo da lógica fatal entre os dois lados
da cabeça. Por que essa forma de indução em atribuir-me
o descompasso de parafusos que só ele posuia?
Com efeito, esse último sintoma transpassava já os limites
da alucinação sensorial. Isso era transcendente, sem dúvida,
já que representava nada menos do que um juizo, 
o entrelaçamento de fios profundos, um dado de conciência.
Urquizo devia, pois, acreditar nas suas capacidades,
estava perfeitamente seguro disso e, desde esse ponto 
de vista, era eu o verdadeiramente louco por ter esbarrado nele sem motivo. 
Seguia esse plano de raciocínio que se denuncia em quase
todos os alienados, um plano que por sua desconcertante ironia, fere e escarnece dos órgãos mais cordatos 
até tirarnos toda a rédea mental e varrer todos os ritos da vida. Por isso, a surda exclamação do louco cravou-se 
de tal maneira na minha alma, chegando a comover
meu coração.
  

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