quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Como César Vallejo, que homenageia com esta exposição,
Trimano se retira para extremos do olhar. Vallejo se retirava
ao azul e, retraindo-se, endurecia até "apertar a alma".
Trimano se retira ao vermelho. Sob a camisa do cotidiano
polido, normal, enxerga - a traços nevrálgicos - uma prancha
anatômica. É a uma cirurgia do humano que procede a "alma
apertada": ao rasgar-se o véu das facetas, e o próprio véu das nossas peles, sobra um achado arqueológico que tem o peso do horror. Ante a normalidade catastrófica de cada momento, somos pedras que sangram, massas de músculos, lixos de ossos. As caras e o véu das roupas podem variar quanto queiram: o que importa e é decisivo
são as cartilagens que rangem.
Esses coágulos que borram os muros. Esses fios retroativos
de sangue que aplicam eletricidade nas cenas. O passado coletivo presente, como se houvesse em plena rua uma erupção rupestre. Posturas fósseis de seres isolados mineralizados por seu grafismo. A textura de pedra de um
cachorro vago ou um torso. O desenho ele próprio como
granulação de rocha - ou como segmentação porosa eletrônica, criando labirintos e malhas de definição imprecisa
Recomendando saborear a "canção dita pelos lábios inferiores do desejo", Vallejo farejava "ao longe os tutanos, 
ouvindo a sondagem profunda". Dessa mesma sondagem
procede a erupção dos estigmas, marcas arcaicas, com
ferro em brasa, que originam gestos de hoje, e cuja atuação
é lembrada, nos desenhos de Trimano, por indicadores carregados de tensão emotiva: setas, cruzes, bandagens.
É precisso ouvir os rios de sangue para ser autêntico. 
Captá-los na crueza de sua fluidez instantânea. Ouvir a pulsação dos estigmas que, em certos insetos, são órgãos
de respiração. É precisso olhar a fera de frente e compreender seu horror, que nasceu da mesma fonte dessa
intensidade vital: o prazer de estar, e em todas as modalidades do ser. Vallejo já previu que, "se assim dermos
com o nariz no absurdo, chocaremos a asa que ainda não
nasceu.
Leonardo Fróes
Petrópolis - Rio de Janeiro - 1987

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