O propósito deste blog é o de mostrar o trabalho do ilustrador,independente das regras impostas pelo mercado,nas quatro disciplinas praticadas por mim, em diferentes momentos e veículos: A Caricatura na Imprensa,A Ilustração na Imprensa,A Ilustração Editorial e O Poema Ilustrado. Também são mostradas modalidades diferentes das mesmas propostas como: Montagens das exposições e a revalorização do painel mural, através das técnicas de reprodução digital em baner.
segunda-feira, 21 de junho de 2010
POUND EM SPOLETO / Adentrei um camarote no Teatro Melisso,
o gracioso renascentista onde ocorriam todos os dias recitais de
poesia e os concertos do festival de Spoleto e subitamente vi
Ezra Pound pela primeira vez, imóvel feito uma estátua de mandarim,
num camarote de balcão no fundo do teatro, logo acima das poltronas.
Foi um choque: ver somente um ancião admirável numa postura
curiosa, magro e de cabelos longos, aquilino aos 80, a cabeça
estranhamente inclinada para um lado, imerso em permanente
abstração... Após três poetas mais jovens no palco, ele deveria ler,
desde o seu camarote, e lá estava, junto a uma amiga idosa
(que segurava seus papeis) aguardando. Observou as articulações
das prôprias mãos, movendo-as, inexpressivo, um mínimo.
Uma vez apenas, quando todos no teatro cheio ovacionavam alguém
no palco, estimulou-se a aplaudir, como que incitado por um ruido no
vazio... Todos no recinto se levantaram, voltaram-se e, olhando para trás e para cima, ovacionando, viram Pound em sua cabine. o aplauso se
prolongou e pound tentou se levantar da poltrona. Um microfone
atrapalhava. Ele segurou, com mãos ossudas, os braços da poltrona e
tentou se levantar. Não conseguiu e tento de novo e não conseguiu.
Sua amiga idosa não tento ajudá-lo. Finalmente ela colocou um poema
em sua mão e, depois de pelo menos um minuto, surgiu a sua voz.
Primeiro moveu-se a mandíbula e então surgiu, inaudível, a voz.
Um jovem italiano aproximou bastante o microfone à sua face e o
manteve ali e a voz se fez ouvir, fraca mas obstinada, mais alto do que eu esperava, uma tênue, suave salmodia. O recinto silenciou de um só golpe.
A vos me derrubou, tão suave, tão tênue, tão fraca, contudo tão
obstinada. Apoiei a cabeça nos meus braços sobre o parapeito aveludado
do camarote. Surpreendi-me ao ver uma lágrima solitária cair no meu joelho.
A voz tênue e indómita prossegia. Saí às cegas do camarote, pela porta ao fundo, para o corredor do teatro onde todos ainda sentavam voltados para ele, descí e saí, para a luz do sol, chorando... /
Acima da cidade / junto do antigo aqueduto / as castanheiras /
ainda vicejavam / Aves mudas / voavam bem baixo / no vale /
O sol brilhava / sobre as castanheiras / e as folhas / voltavam-se
para o sol / voltavam-se e voltavam-se e voltavam-se / e continuariam
voltando-se / Sua voz seguia e / prosseguia / através das folhas...
LAWRENCE FERLINGHETTI - de "Olho e Peito Abertos" - 1973 /
Tradução: Nelson Ascher
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