terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Pode-se proclamar a boa saúde mental de Van Gogh, que durante toda a sua vida somente assou uma das mãos e, além disto, não passou de cortar a orelha esquerda. / Em um mundo em que todos os dias as pessoas comem vagina cozida na salsa verde ou sexo de recém-nascido, flagelado e enfurecido arrancado assim como sai do sexo materno, e não se trata de uma imagem mas de um fato muito freqüente, repetido diariamente e cultivado em toda a extensão da terra. É assim que se mantém - por delirante que possa parecer tal afirmação - a vida presente, na sua velha atmosfera de estupro, de anarquia, de desordem, de desvario, de descalabro, de loucura crônica, de inércia burguesa, de anomalia psíquica (porque não é o homem mas o mundo que se tornou anormal), de desonestidade deliberada e insigne hipocrisia, de sujo desprezo por tudo que cheira à nobreza, de reivindicação de uma ordem inteiramente baseada no cumprimento de uma primitiva injustiça, em resumo, do crime organizado. As coisas vão mal porque a conciência doente tem o máximo interesse, neste momento, em não sair de sua doença. / Desta maneira, uma sociedade deteriorada inventou a psiquiatria para defender-se das investigações de alguns iluminados superiores, cujas faculdades de adivinhação a incomodavam. Não, Van Gogh não era louco,mas seus quadros eram misturas incendiárias, bombas atómicas, cujo ángulo de visão comparado com o de todas as pinturas que faziam furor na época, teria sido capaz de transtornar gravemente o conformismo larval da burguesia. / ANTONIN ARTAUD / 1947 - Trecho extraido do livro "Van Gogh, o suicidado pela sociedade"

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