sexta-feira, 31 de julho de 2009

"A Revolução Cubana me mostrou e me colocou algo que já não era mais uma visão política teórica, uma postura política meramente oral: aquela primeira visita que fiz a Cuba em 1961 me deixou frente a um fato consumado. Viajei pouco tempo depois do triunfo da Revolução, que ocorrera em 1959, e em 1961 os cubanos viviam momentos muito difíceis, tinham de apertar o cinto porque o bloqueio era implacável, havia problemas internos provocados pelas tentativas contra-revolucionárias. Pouco depois da minha visita houve o movimento contra-revolucionário nas montanhas de Escambray, aqueles grupos anticastristas que foram eliminados ao custo de muitos anos de lutas. Então, pela primeira vez - e isso aconteceu a uma geração inteira de escritores, artistas, economistas, jornalistas - os interlectuais latino-americanos podiam assistir ao processo de construção do socialismo num país do continente. E o contato com o povo cubano, essa relação com os dirigentes e com os amigos cubanos, de repente, sem que eu percebesse (nunca fui consciente disso tudo) e já no caminho de regreso a Europa, fez com que eu visse que pela primeira vez tinha estado em pleno coração de um povo que estava fazendo a sua revolução, que estava tentando achar o seu caminho. E foi naquele momento que afrouxei as amarras mentais e me perguntei, ou me disse, que não tinha tentado entender o Peronismo. Um processo que não pode de jeito nenhum ser comparado a Revolução Cubana, mas que tinha, da maneira que for, uma analogia. Também um povo havia se levantado, tinha vindo do interior para a capital e, à sua maneira, na minha opinião uma maneira equivocada e grosseira, também procurava algo que não tivera até aquele momento. A Revolução Cubana, por analogia, mostrou-me - e de um modo muito cruel, que me doeu muito - o grande vazio político que havia em mim, minha inutilidade política. Desde aquele dia tentei me documentar, tentei entender, ler. O processo foi se fazendo paulatinamente e às vezes de uma forma quase inconsciente. Os temas nos quais havia implicações políticas ou ideológicas, sobretudo as ideológicas, foram entrando na minha leitura. Esse é um processo que pode ser apreciado ao longo dos anos. O conto "Reunião", cujo personagem é o "Che" Guevara. Esse é um conto que eu jamais teria escrito se tivesse ficado em Buenos Aires, ou em meus primeiros anos de Paris, porque o tema não teria aparecido, não teria nenhum interesse para mim. Naquele momento o tema desse conto me parecia apaixonante, porque tentei colocar em vinte páginas toda a essência, todo o motor, todo o impulso revolucionário que levou "os barbudos" ao triunfo. Mas tudo isso que estou dizendo agora sobre essa entrada na conciência política ou ideológica, que antes tinha sido mais um dos tantos exercícios intelectuais e de opiniões que a gente tem ao longo da vida, não teria muito sentido se não conectasse com outra coisa. Assim como citei "Reunião" como o primeiro conto que marcaria esse ingresso no campo ideologico, e portanto uma participação (porque aí eu já estava participando) naqueles mesmos anos, deveria citar, de maneira simbólica, outro conto, "O Perseguidor". A tomada de consciência ideológica, política, que a Revolução Cubana me deu não se limitou somente às idéias. A revolução deve triunfar e deve ser feita porque seus protagonistas são os homens, são eles o que conta. E esse fato aparentemente tão trivial e tão repetido foi muito importante para mim, porque se eu tinha sido indiferente as idas e voltas políticas do mundo,era porque os protagonistas dessas viradas me eram indiferentes. Eu podia ter muita simpatia pelos republicanos espanhóis e muito ódio pelos franquistas, mas com base em critérios mentais. Não gostava do fascismo por razões óbvias, e gostava da democracia dos republicanos. Mas ficava de fora na parte que correspondia à carne, ao sangue, à vida, ao destino pessoal de cada um dos parcipantes desses enormes dramas históricos. Assim, em muito pouco tempo (esses dois contos são símbolos) produziu-se o que atualmente se chama de compromiso." J.C / trecho de entrevista concedida a Omar Prego, autor de "O Fascínio Das Palavras" editado pela José Olimpio em 1985 com tradução de Eric Nepomuceno

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