sábado, 26 de maio de 2018

Então fiquei sozinho, olhando idiotizado o mar deserto.
Todos, sem saber o que faziam, tinham se jogado no mar,
envolvidos pelo sonambulismo morboso que flutuava
no navio. Quando um se jogava no mar, os outros
se viravam, momentaneamente preocupados,
como se lembrasem de alguma coisa, para esquecer logo.
Assim tinham desaparecido todos, e suponho que sucedera
a mesma coisa no dia anterior, assim como nos outros
navios. 
- Isso é tudo.  -
Ficamos olhando para o estranho homem com explicável
curiosidade.
- E você não sintiu nada?  -
Lhe perguntou meu vizinho de camarote.
- Sim, um grande desánimo e obstinação pelas mesmas
idéias, nada mais. Não sei porque não senti mais nada.
Suponho que o motivo seja éste: ao invés de me esgotar
numa defesa angustiosa e contrária ao que sentia,
aceitei simplesmente como devem ter feito todos,
essa morte ipnotica. Alguma coisa muito semelhante
aconteceu sem dúvida, aos centinelas daquela guarda
que noite a noite, se enforcavam. -
Como o comentário seria bastante complexo, 
ninguém respondeu. Pouco tempo depois, o narrador
retirou-se ao seu camarote. 
O capitão o seguiu por um momento com o olhar.
- Farsante! - murmurou
- Ao contrário - disse um passageiro enfermo,
que ia morrer na sua terra.
- Se fosse um farsante não teria deixado de pensar nisso
e teria se jogado também no mar.

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