segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Parou para espiar a vitrine. Sapatos e bolsas,
pretos, amarelados, marrons, azuis.
Não estava interessado em sapatos e bolsas.
Olhava por olhar. Passava todos os dias por ali,
cada dia observava uma vitrine, uma loja, um balcão,
um canto. Costumava também olhar para cima.
Assim tinha descoberto coisas que, era uma certeza,
outros não viam. Um beiral antigo, esquecido na fachada
de um prédio. Uma comija. Uma grade, uma janela
com vidros desenhados, vaso de flores, 
gaiola com pássaros, retrato pregado numa veneziana,
números no alto de portais, rostos atrás das vidraças,
aquários. Levava esbarrões, chingos, o que faz aí parado,
seu bestalhão, pô, nesta cidade tem de tudo, até gente
parada de boca aberta. Não ligava, falavam por falar,
para ter alguma coisa contra o que reclamar. Em quanto
admirava a vitrine, ouviu passos. Era a primeira vez 
que prestava atenção no ruído de passos. Virou-se,
observando os pés do povo. Os sapatos batiam 
no calçamento; uns arrastavam os pés; outros saltitavam;
uns pareciam flutuar. O que o impressionava mesmo
era o barulho. Não, não era o barulho, percebeu.
Era o silêncio, dentro do qual os passos sobresaiam.
Um silêncio espesso dentro da tarde. De tal modo
que ele podia, com nitidez, distinguir cada ruído.
O dos passos, o das vozes, o dos murmúrios
(mesmo das pessoas que falavam sozinhas), dos chamados,
das máquinas de escrever por trás das paredes,
dos apitos dos guardas, de nomes gritados, susurrados,
chamados, de músicas que se confundiam, como se 
as letras fossem coisas absurdas, sem sentido algum,
de motores engrenando, funcionando, buzinas, choros,
soluços, zumbidos. Seu ouvido captava e selecionava,
como um aparelho estereofônico, capaz de enviar
para alto-falantes diversos, sons de instrumentos diferentes.
O silêncio pareceu incômodo a um homem acostumado
dentro da cidade barulhenta, irritadiza, insuportável.
O seu dia a dia era constituido quase que por um barulho
só, homogêneo, que se integrara à sua vida.

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