sexta-feira, 15 de abril de 2016

Luís Urquizo pertencia a uma família numerosa da região.
Era muito querido pelos seus, que lhe prestavam 
todo o cuidado e a assistência carinhosa. Certa vez, fiquei
sabendo de algo assustador. Todos os familiares de Urquizo
que com ele conviviam, estavam loucos também. E mais.
Todos eram vítimas de uma obsessão comum, 
de uma mesma idéia zoológica, grotesca, grave, 
de um ridículo fenomenal: acreditavam que eram macacos,
e assim viviam.
Minha mãe convidou-me uma noite para ir com ela
saber notícias dos parentes loucos. Não encontramos ninguém quando lá chegamos, só a mãe de Urquizo
que se distraía a mexer num monte de papéis sujos,
sob a lâmpada que pendia no centro da sala.
Dado o isolamento e o atraso daquele povoado, 
que não tinha instituições de caridade nem polícia,
os doentes saíam quando queriam para a rúa. Perambulavam, entravam nas casas, despertando sempre
o riso e o pesar.
Ao nos ver, a mãe dos alienados ganiu agudamente,
franzia as sobrancelhas com força e selvageria; continuou
a vibrá-las para cima e para baixo, lançou com um gesto mecânico a folha de papel que manuseava e acocorou-se
sobre a cadeira com a rapidez infantil de um estudante
que fica sério diante do professor, escondeu os pés, dobrou
os joelhos até a altura do tronco e, nessa atitude, semelhante a uma múmia, esperou que entrássemos
na casa cravando os olhos - irrequietos, inexpressivos
e selváticos - nas nossas figuras, e naquela noite eles suplantaram assombrosamente os olhos de um macaco,
a boca revelava a ira. Minha mãe encostou-se a mim, assustada e trêmula, e eu fui dominado por uma arrepiante
sensação de espanto. Mas não, sob a claridade da lâmpada,
distinguimos naquela face perdida, sob o cabelo que caía em crinas asquerosas até os olhos, começando logo 
a franzir-se sobre o miserável e esfarrapado tronco, virando-se para os lados, como se estivesse sendo ajudada
por forças invisíveis ou por ruídos misteriosos produzidos
nas barras metálicas de um parque. A louca, como se
prescindisse de nós, começou a esfregar e a catar a barriga,
as costas, os braços, triturando os parasitas 
com seus dentes amarelos. Gania, às vezes, longamente e espreitava à sua volta, olhava a porta, como se fizesse uma advertência. Minha mãe, transcorridos alguns minutos
de espectativa e medo, fez-me um sinal para retroceder
e abandonamos a casa.
Este fato ocorreu há pelo menos vinte e três anos, até que,
após ter vivido distante dos familiares por causa dos meus
estudos em Lima, regressei um dia a Cayna, a povoação
que, além de solitária e distante, era como uma ilha
para além das montanhas ermas. O povoado arcaico
de agricultores humildes, separado dos grandes centros
civilizados do país por imensas e quase inacessíveis cordilheiras, vivía longos períodos de esquecimento
e de absoluta falta de comunicação com as outras cidades do Perú.
Devo chamar a atenção para a circunstância muito
inquietante de não ter recebido notícias da minha família
nos seis últimos anos em que estive ausente.
Minha casa situava-se quase na entrada do povoado.
Pairava um poente de maio - desses suaves e reflexivos
poentes do leste peruano - sobre a cidade que, não sei
por que razão, tinha naquela hora, na sua solidão
e abandono exteriores, o ar da desgraça, o obstinado
ar de abandono.
A falta de zelo e destruição transpareciam em toda parte.
Não havia nem uma pessoa, e ao atravessar algumas
esquinas os meus nervos enrijeceram-se, golpeados
por uma brusca impressão de ruína. Sem dar-me conta,
estive à beira de chorar.  
 

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