quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

CASA TOMADA

Irene era uma jovem nascida para não incomodar
ninguém. Fora sua atividade matinal, ela passava
o dia tricotando no sofá do seu quarto. Não sei
porque tricotava tanto, eu penso que as mulheres
tricotam quando consideram que essa tarefa
é um pretexto para não fazerem nada.
Irene não era assim, tricotava coisas sempre necessárias,
casacos para o inverno, meias para mim, 
xales e coletes para ela. Às vezes tricotava um colete
e depois o desfazia num instante porque alguma coisa 
lhe desagradava. Era engraçado ver na cestinha
aquele monte de lã encrespada resistindo a perder
sua forma anterior. Aos sábados eu ia ao centro para comprar lã; Irene confiava no meu bom gosto, sentia
prazer com as cores e jamais tive que devolver
as madeixas. Eu aproveitava essas saídas para dar uma volta pelas livrarias e perguntar em vão se havia novidades
de literatura francesa. Desde 1939 não chegava nada
valioso na Argentina. Mas é da casa que me interessa falar,
da casa e de Irene, porque eu não tenho nenhuma importância. Pergunto-me o que teria feito Irene sem o tricô.
A gente pode reler um livro, mas quando um casaco está
terminado não se pode repetir sem escândalo. Cerco dia
encontrei numa gaveta da cômoda, xales brancos, verdes,
lilases, cobertos de naftalina empilhados como num armarinho; não tive coragem de lhe perguntar o que pensava
fazer com eles. Não precisávamos ganhar a vida, 
todos os meses chegava dinheiro dos campos que ia sempre
aumentando. Mas era só o tricô que distraia Irene,
ela mostrava uma destreza maravilhosa e eu passava horas olhando suas mãos como puas prateadas, agulhas indo
e vindo, e uma ou duas cestinhas no chão onde se agitavam
constantemente os novelos. Era muito bonito.

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