quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

CASA TOMADA

Gostávamos da casa porque, além de ser espaçosa
e antiga (as casas antigas de hoje sucumbem
as mais vantajosas liquidações dos seus materiais),
guardava as lembranças de nossos bisavós, do avô
paterno, de nossos pais e de toda nossa infância.
Acostumamo-nos Irene e eu a persistir sozinhos nela,
o que era uma loucura, pois nessa casa poderiam
viver oito pessoas sem se estorvarem.
Faziamos a limpeza pela manhã, levantando-nos
às sete horas, e, por volta das once horas, eu deixava
para Irene os últimos quartos para repassar 
e ia para a cozinha. O almoço era ao meio-dia, sempre
pontualmente; já que nada ficava por fazer, a não ser
alguns pratos sujos. Gostávamos de almoçar pensando 
na casa profunda e silenciosa e em como conseguíamos
mantê-la limpa. Às vezes chegávamos a pensar que fora
ela a que não nos deixou casar. Irene dispensou dois
pretendentes sem motivos maiores, eu perdi Maria Esther
pouco antes do nosso noivado. Entramos na casa dos
quarenta anos com a inexpressada idéia de que nosso
simples e silencioso casamento de irmãos era uma
necessária clausura da genealogia assentada por nossos
bisavós na nossa casa. Alí morreríamos algum dia,
pregiçosos e toscos primos ficariam com a casa 
e a mandariam derrubar para enriquecer com o terreno
e os tijolos; ou melhor, nós mesmos a derrubaríamos
com toda justiça, antes que fosse tarde demais.

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