domingo, 29 de junho de 2014

APARIÇÕES

Foi um dos meus primeiros encontros com a "nova Argentina". Eu tinha voltado ao país, depois de sete
anos, pouco tempo antes, tudo me surpreendia,
me falava das suas mudanças. A Argentina fazia
o possível para demonstrar que não era mais aquela
que eu tinha deixado, que tinha matado tantos.
A "nova Argentina" era o resultado dessas mortes,
por causa disso fazia o possível para não falar
das suas vidas. Essa tarde, no entanto, algo da "nova"
parecia se somar a "velha". Essa tarde, na aula magna
do Colegio Nacional, cem ou duzentos alunos que
pareciam tão pequenos, nos perguntavam como tinha
sido a história daqueles que, para eles, eram uma
história tão distante.
Em 1984, não tinha passado tanto tempo assim, mas
para aqueles jovens argentinos, eramos os detalhes de um mito. Não conseguiam acreditar que aqueles estudantes
tinham sido pessoas tão parecidas com eles. Essa tarde
não durou quase nada. Depois vieram longos silêncios,
e demoramos doze anos para voltar ao Colegio Nacional. 
Durante esses anos, nossos companheiros mortos, ficaram
sem história própria. Os lembramos principalmente nas
passeatas contra seus assassinos, e nos aniversários
dos seus sequestros, quando apareciam suas caras nos jornais. Como se deles ficasse somente a sua morte.
Para a "nova Argentina" era mais fácil falar deles transformando-os em vítimas, ao invés de lembra-los
como indivíduos que tinham escolhido uma opção política.
Falava-se deles como objeto de sequestro, tortura e assassinato, e não se falava deles como de pessoas que
escolheram para as suas vidas um destino que incluía
o perigo da morte. Essas versões da história eram uma forma de voltar a desaparecer os desaparecidos. Com essa
segunda desaparição, desaparecíamos todos. A nossa
história se perdia junto com a história deles. Era necessário
reconstruir suas histórias, contar e contarmos que antes de ser vítimas, foram pessoas que tinham uma vida.   
No final de 1996, lembramos aqueles estudantes com uma exposição, um ato, palavras, abraços e memórias. Nessa 
noite, as fotos de Marcelo Brodsky foram o vínculo mais claro, o mais visível. A fotografia é uma tentativa de deter
o tempo. Em cada foto, o que já não é, se apresenta como
se fosse ainda, aparece como a perplexidade de se encontrar perante o perdido. Essas caras que Brodsky
reproduz, confrontadas com as caras de hoje, não somente
falam da passagem do tempo, nos falam de uma época.

Martin Caparros


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