quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

detalhe

Então, durante horas, através das minhas ocupações quotidianas,
punha-me a medir as dificuldades, considerar que o Rio era uma
cidade grande, cheia de riqueza, abarrotada de egoísmo, onde eu
não tinha conhecimentos, relações, protetores que me pudessem
valer... / Que faria lá, só, a contar com as minhas próprias forças?
Nada... Havia de ser como uma palha no rodamoinho da vida - levado
daqui, tocado para ali, afinal engolido no sorvedouro... ladrão...
bébado... tísico e quem sabe mais? Hesitava. De manhã, a minha
resolução era quase inabalável, mas, já à tarde eu me acobardava
diante dos perigos que antevia. /
Um dia, porém, li no Diário de... que o Felício, meu antigo condiscípulo,
se formara em Farmácia, tendo recebido por isso uma estrondosa,
dizia o Diário, manifestação dos seus colegas. /
Ora o Felício! pensei de mim para mim. O Felício! Tão burro! Tinha
vitórias no Rio! Por que não as havia eu de ter também - eu que lhe
ensinara, na aula de portugués, de uma vez para sempre, diferença
entre o adjunto atributivo e o adverbial? Por qué!? / Li essa noticia na sexta feira. Durante o sábado tudo enfileirei no meu espírito, as vantagens e as
desvantagens de uma partida. Hoje, já me recordo bem das fases dessa
batalha; porém uma circunstância me ocorre das que me demoveram a partir.
Na tarde de sábado, sai pela estrada fora. Fazia mau tempo. Uma chuva
intermitente caía desde dois dias. / Saí sem destinho, a esmo, melancolicamente aproveitando a estiada. Passava por um largo descampado e olhei o céu. Pardas nuvens cinzentas galopavam e, ao longe, uma pequena mancha mais escura parecia correr engastada nelas. A mancha
aproximava-se e, pouco a pouco, via-a subdividir-se, multiplicar-se; por fim,
um bando de patos negros passou por sobre a minha cabeça, bifurcado
em dois ramos, divergentes de um pato que voava na frente, a formar um V.
Era a inicial de "Vai". Tomei isso como sinal animador, como bom augúrio.

Nenhum comentário: